terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Texto Concreto com Zeca Baleiro

 Por Ronaldo Faria

Concreta daqui que eu concreto acolá. E vamos construindo esquinas e ruas soturnas, prédios de muitos andares e centenas de vidas, misturados de cimento e areia nas retinas. Areia que permeia o tempo que passa e repassa, transpassa emoções e senões. Todas que se bebem e se jogam a salvo. O são. Ou, quem sabe, serão. Entre sermões de um padre alcoolizado e um bardo que solta sua voz à noite que se esparrama entre corpos e copos. Todos a copular bocas ocas e mãos bélicas que correm cada medida dos órgãos úmidos ou eretos.

Concrete-se daqui que eu me concreto acolá. Juntos, cantaremos lê-la-ia-laia. E faremos planos, voaremos em planadores, nos faremos plenos aos píncaros do fim e do nada. Nadaremos entre luas loucas e areias frias, seremos o início e o infinito, de presto. Afinal, de que presta vivermos longe um do outro, ocultos em sombras que definham ao Sol? De que vale nossa dormida insone, caídos em cones que um bêbado equilibra na esquina qualquer? Agora, apenas vivamos ávidos a vida que ninguém nos deu. Sejamos nosso próprio Deus.

E se assim for, que cada concreto recém úmido se forme em escultura que nenhuma cultura saberá decifrar. Depois, que tudo fique largado lá – além de mim e de você – para quem depois quiser escrever. Em baladas travestidas de vida, tangos tangidos de solidão. Diluídos em pedras de gelo, ungidos de paixão. Pouco de quase nada, ínfimos desejos de qualquer criação. Para no depois, de um após suado e criado em servidão, sejamos qualquer um. Eu a ser somente você. Você, meu não. Sementes apócrifas de um poema nunca concreto – quase nada, só canção.
 
Ao ouvir o Zeca Baleiro, na sua calma do coração

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O grande e eterno Paulinho da Viola

Por Edmilson Siqueira 

Há cerca de um mês e meio - em 12 de novembro - Paulinho da Viola completou 80 anos. E se você não acompanhou direito essa incrível carreira de um dos maiores sambistas do Brasil, há uma boa chance de conhecer uma ótima produção que juntou, num só CD, dois discos dele, gravados em 1982 e 83, sob o título "Dois É Demais". A seleção, lançada em 1996, é uma prova de que Paulinho, que explodiu com "Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida", em 1970, no seu segundo disco de estúdio, continuou com uma sólida careira fazendo o que sabe fazer melhor: sambas e choros, intercalados por alguns sucessos que foram aproveitados em trilhas de novelas famosas da Globo.  

 

Paulinho é uma espécie de unanimidade da crítica brasileira e, entre os fãs da boa MPB, não deve existir quem dele tenha alguma crítica negativa. Sambista da mais pura estirpe carioca, Paulinho é autor de músicas memoráveis, além de um grande preservador da memória do samba e das escolas, pois já gravou muita coisa com a Velha Guarda da Portela, do mesmo modo que louvou sambistas vivos e mortos em seus sambas de roda e outros. Enfim, Paulinho é desses eternos que sempre estará presente em qualquer lista que se faça dos melhores do Brasil de todos os tempos.  

E esse disco, com as músicas de "A Toda Hora Uma História" e "Prisma Luminoso" abrange dois anos bastante criativos do cantor e compositor. Além de músicas de sua autoria, há parcerias com Elton Medeiros, com Sérgio Natureza e com Capinan, além de músicas de outros compositores, como Jorge Mexeu, Armando Santos, Zorba Devagar e Micau, Dona Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho, Eduardo Gudin e Paulo Cesar Pinheiro e Cartola e Bide, espalhados entre as 22 músicas do disco.  


Como se vê, Paulinho ia buscar parcerias com grandes nomes do samba, mas também garimpava, entre compositores totalmente desconhecidos do morro, pérolas que dificilmente seriam conhecidas não fossem as gravações de um artista mais famoso. Aliás, foi garimpando assim que Beth Carvalho gravou, num só disco, quatro ou cinco composições de um desconhecido sambista chamado Nelson Cavaquinho. Uma curiosidade: Nelson tocava violão e ganhou o apelido de Cavaquinho. E Paulinho, cujo instrumento principal era o cavaquinho (embora toque violão muito bem) acabou apelidado de "da Viola", apelido dado por Sérgio Cabral, o pai, grande jornalista, biógrafo e profundo conhecedor do samba.  


Segue a relação de músicas. As que não tiverem autor são só de Paulinho. "Rumo dos Ventos", "Só o Tempo", "Não É Assim", "Pra Fugir da Saudade" (com Elton Medeiros), "Amor Ingrato" (Jorge Mexeu), "A Maldade Não Tem Fim" (Armando Santos), "Meu Violão", "Que Trabalho É Esse" (Zorba Devagar e Micau), "Nós Os Foliões" (Sidney Miller), "Brancas e Pretas (com Sergio Natureza), "O Tempo Não Apagou", "Retiro", "Cadê A Razão", "Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço" (Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho), "Mais Que A Lei Da Gravidade" (com Capinan), "Prisma Luminoso" (com Capinan), "Documento" (Eduardo Gudin e Paulo Cesar Pinheiro), "Quem Sabe" (com Elton Medeiros), "Cisma", "Não Posso Viver Sem Ela" (Cartola e Bide), "Só Ilusão" e "Toada".  

 

Trata-se de um ótimo documento para quem quer ouvir aquilo que já era uma ótima obra gravada há 40 anos de um compositor que, aos 80 anos, continua produzindo com grande qualidade.   

 

O disco está à venda nos bons sites do ramo. Mas, para ser ouvido, não encontrei a seleção e sim os dois separados, nos seguintes endereços: https://www.youtube.com/results?search_query=Paulinho+da+Viola+Prisma+Luminoso e https://immub.org/album/a-toda-hora-rola-uma-historia . 

sábado, 24 de dezembro de 2022

Trilhas quentes com um ótimo sexteto de jazz

Por Edmilson Siqueira 

Sabe esses discos que você compra por causa do título, do artista ou das músicas, mas sem saber direito o que está lá dentro? Pois isso aconteceu com o disco de hoje, comprado há mais de quinze anos e, na verdade, já não me lembro exatamente o motivo. Herb Ellis eu já tinha ouvido falar, mas pouco conhecia dele. Ray Brown idem. E o sexteto que eles formaram? Neca de pitiritiba. A turminha tinha ainda Harry "Sweets" Edison, Jake Hanna, Plas Johnson e Mike Melvoin - trompete, saxofone, bateria e teclados respectivamente que gravaram esse "Hot Tracks" em 1976.   


No encarte do CD que tenho, importado da Alemanha, Philip Elwood assina um texto bastante explicativo do encontro, que gerou outros álbuns, como fiquei sabendo em rápida pesquisa pelo Google. Não conheço os outros discos, mas este talvez seja, se não o melhor, um dos melhores do sexteto.   


Diz Elwood no encarte que durante o encontro, "múltiplas faixas foram gravadas, não para uma edição sofisticada ou para acrescentar instrumentos (overdubbing) pós-sessão, mas para tornar o balanço estéreo final tão natural quanto ouvir o grupo em um salão (ou, eu acho, saloon). 


Ouça "Hot Tracks" como um miniconcerto; foi preparado assim. O som agradável, fácil e popular de "Onion Roll" (Herb Ellis, faixa que abre o disco), dá lugar a "Spherikhal" (Ray Brown, a segunda faixa), uma performance mais dura, mais blueseira e mais voltada para o gospel. 


(...) Na terceira faixa você já está familiarizado com a banda e sua versatilidade já foi sugerida, se não totalmente explorada. Hora do tour de force de Ray Brown - "But Beautiful" (Johnny Burka e Jimmy Van Heusen, terceira faixa) - contrabaixo com guitarra. Esse tipo de interpretação praticamente nunca é apresentado ao vivo porque nós, fãs de jazz, raramente fazemos, como artistas fazem, o respeitoso silêncio necessário para absorver tais expressões.

Por "Blues for Minnie" (Ray Brown, quarta faixa), todo o conjunto está em alta, com 'Sweet' and Pas tocando forte; a troca de solos, que inclui o pianista Mike Melvoin e Ellis, é compacta, mas informal. 


Johnson's "Bones" (Plas Johnson, quinta faixa), está na veia do Jazz Messengers, um toque de Horace Silver e um sabor do L. A. Express. "So's Is Your Mother" (Mike Melvoin, a sexta faixa), com 'Sweets' silenciado, é uma reminiscência de outros grupos dos anos 1950 quando Clifford Brown estava por perto. Os harmônicos de Melvoin são substanciais, a tonalidade menor eficaz. 


Os antigos de Johnny Hodge, "Squatty Roo" (Johnny Hodges, sétima faixa) saíram da última sessão de Bluebird daquele grande saxofonista rotulado como "An Ellington Unit', em julho de 1941. 


The Ellis-Brown Sextet captura um pouco do sentimento dukish de 1941 e o move para os sons dos anos setenta. Por um momento, Edison contribuiu com a brincadeira "Sweetback" (Harry 'Sweet' Edison, oitava faixa), como um lembrete de que todos os sopros do mundo não significam nada (como o Sr. Ellington nos lembra há 43 anos) é não tem esse balanço." 


Depois disso tudo o melhor é ouvir esse ótimo disco no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=B-RSMsvDeqQ ) ou comprá-lo: encontrei no Mercado Livre por 90 reais. Vale. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Ao Dominguinhos

 Por Ronaldo Faria


Que baita sol que socorre à sombra e a faz mais forte do que o corpo que sua no batente, latente a cada gota que desce sob as roupas e vira um forró só. Que sol forte que se espalha e se espelha no asfalto, mesmo sem tomar fortificante desses que a mãe enterra goela adentro do filho que chora sem dó, com gosto de peixe insosso.
 
Seu nome era José. Desses que anda na terra de barro danado, daquele pó que vira parte do corpo e agarra no pé. Desses que ama, teima e desama, anda, desanda e desmama, carrega a caçamba que vomita a água tirada de um poço quente que se mistura ao resto do fio de esperança e faz a pajelança esperar a chuva que se esqueceu de chegar.

O nome do amor de José era Maria – prometida por um Deus sem fé, num lugar qualquer, de um tempo que ninguém até hoje sabe se foi desandar. Que descia da roça toda faceira e brejeira, com seu vestido de chita a ventarolar no fiapo de brisa que curtia seu passar entre os galhos que tinham sobrado no imbuzeiro que dormia quieto no seu próprio teto de luto e restar.

E ambos – José e Maria ou Maria e José – se misturavam ao tempo, assexuado e sem saber se ia ou parava a cada andada dos dois. Aqueciam-se na água nenhuma que vertia do rio seco e se aninhavam no ninho de coruja vazio de piar a cada chuva maior. Eram e faziam, jaziam entre covas pequenas de anjos nunca feitos ou nasciam a cada cantar da ave que viajava de galho em galho para chegar a qualquer lugar.

Amavam-se entre notas e versos, vozes e terços, rios secos, crianças secas, esteira de palha deitada na terra fria, na franzina menina que parece colheita perdida, desviada do seu mundo sem saber porque. E quanta saudade ardida e tardia. Quanta pimenta misturada à farinha criada no tacho da casa onde viviam todos sujos de branco de se comer e a esperar a secura acabar. Ou, porque não, a vida revirar.

Seu nome era José. O nome dela era Maria. Iguaizinhos no desigual que nem o carcará que voou e sobrevoou a rês a morrer sob o mugir da vaca sabe que não terá mais cria ou colher. Homem e mulher a recriarem filhos feito um velho banguela que a comida perde a ver cair cada grão entre os dentes inexistentes à fonte que pinga, respinga e dói.

Desses que sabem que o sol inclemente e ardido que brilha entre nuvem nenhuma, na brita da estradinha cheia de erva daninha, nenhum dia irá baixar. Por isso, a vida, ávida, debaixo do lençol encardido e malpassado, quieto no avesso do verso. Amplexo. No fundo do coração a gritar feito a barriga que ronca zabumba e o triângulo a misturar sons e finitude, em qualquer latitude feita de um quadrado imperfeito. Àquele que chama a paixão se estende a mão e dorme o corpo na derradeira mansidão. No tanto de calor imperfeito, faz-se, mais uma vez, outro tanto de solidão.
 
Dedicado ao mestre Dominguinhos, sua voz e sua sanfona eternas e ternas.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Rod Stewart e seu disco de soul

Por Edmilson Siqueira 

"Este é o álbum que eu esperei a vida toda para gravar." 


Se um cantor famoso no mundo todo, com grandes sucessos e shows lotados em todo lugar, escreve essa frase no início texto do encarte que acompanha o disco, o resultado só pode ser um ótimo disco pra se ouvir.  E ele confessa ainda: "Essas canções e cantores foram o oxigênio que abasteceu minha paixão por cantar". 


O disco se chama "Soul Book" e o cantor não é ninguém menos que o britânico de ascendência inglesa e escocesa, Rod Stewart. O disco foi gravado em 2009, entre o quarto e o quinto songbooks que ele fez da música norte-americana. E, ao contrário daqueles discos, esse está cheio de músicas bastante populares e Rod canta, em quatro faixas, acompanhado dos cantores que fizeram sucesso com essas músicas.  


De produção impecável, como quase toda a obra do cantor, "Soul Book" tem treze faixas. A música negra que ele canta aqui, diz ele no encarte, vem da paixão na juventude, quando, com um pequeno radio de pilhas, sintonizava as rádios Luxemburgo e Carolina, no norte de Londres. Foi através dessas rádios que ele conheceu Otis Redding, San Cooke, Jackie Wilson, James Brown, The Temptations, The Four Tops e muitos outros. E completa: "Eu tentava cantar como eles e me vestir como eles".   

A primeira faixa é "It's The Same Old Song", de Lamon Dozier, Brian e Eddie Holland, seguida de "My Cherie Amour", de Henry Cosby, Silvio Moy e Stevie Wonder. Nessa, o grande Stevie participa da gravação, dando a ela um brilho mais especial ainda.  


Outro sucesso mundial vem na terceira faixa:"You Make Me Feel Brand New", de Thomas Bell e Linda Epstein. Desta vez é a cantora Mary J. Blige quem divide os microfones com Rod. Ótima gravação.  


"Higher And Higher", de Gary Jackson, Raynard Miner e Carl Smith, é a quarta faixa, que precede outro gigantesco sucesso da soul music, eternizada na voz de Jonhhy Rivers: "The Track Of My Tears", de Warren Moore, Willian Robinson e Marvin Tarplin, com a presença na gravação de Smokey Robinson.  


Um dueto com Jennifer Hudson é a sexta faixa. Trata-se de "Let It Be Me", do francês Gilbert Becaud, Mony Kurtz e Pierre LeRoyer. Outro grande suceso da música negra norte-americana é a sétima faixa, "Rainy Night In Georgia", de Tony Joe White que Rod transfromou numa das melhores faixas do disco.  


A oitava faixa é "What Becomes Of The Broken Hearted", de James Dean, Paul Riser e Willian Weatherspoon, seguida de "Love Train", de Keneth Gamble e Leon Hulf.  

Dois outros grandes sucessos vêm a seguir: "You've Really Got a Hold On Me", de Willian Robinson e o megassucesso cantado por Louis Armstrong, "What a Wonderful World", de Lou Adler, Herp Albert e Sam Cook.  


Por fim, fechando a ótima seleção, temos "If You Don't Know By Me", de Kenneth Gamble e Leon Hulf e Just My Imagination, de Barret Strong e Norman Whitfield.  


O disco está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube, em https://www.youtube.com/watch?v=_5D-nQsaIrc&list=PLHbFuE96EY1qhKrw6kuCU3cwCj7hmCig- . 

Presságio natalino

 Por Ronaldo Faria O Natal corre brejeiro e cheio de cheiros, madrigal. Se esconde nas cercanias de casarios perdidos no tempo ao vento qu...