segunda-feira, 1 de julho de 2024

Presságio natalino

 Por Ronaldo Faria


O Natal corre brejeiro e cheio de cheiros, madrigal. Se esconde nas cercanias de casarios perdidos no tempo ao vento quente que voa e revoa entre as galinhas e porcos que fugiram do facão e das mesas adstringentes. As lamparinas acesas se sobressaem na escuridão em derredor. Há pouco lugar para a dor. No alforje do homem suado que volta de aboiar o gado reticente, o presente. Na igreja, beatas trocam orações e dedos a cruzarem as contas do terço que passam rápidas a pedir esperança e chuva tardia. Logo mais será dia 25. O dia que, dizem, nasceu um Jesus. Num lugar quase igual a esse do sertão: pobre, esquecido do mundo, largado à sua sina. Logo a solidão se dará à remissão de cada um, em nós.
Daqui a uma semana, pensava Florêncio, montado no cavalo que seguia arfando os últimos metros da labuta animal, o ano vira. E o mundo vira outro mundo. Ou, como já disse um poeta, Viramundo. E tudo promete renascer: esperanças, crenças, as tranças de Maria, acalantos, prantos, despojos, jogos de azar. Mas, infelizmente, na frente da realidade, as contas na venda do Seu Antonio, a falta de comida no prato, o afago demente, a mente submissa às suas agruras, as tardes de tristeza pungente de cada gente permanecerão, ou não. No alpendre, Maria sorri seu sorriso de branquear a lua mais luzidia. E abre os braços para abraços e tratos de corpos que fluirão em suores na sentença do amor maior.
Hoje, na insensata lucidez que a loucura dá, Florência sonha com as flores que, decerto, seus pais anteviam para ele ao lhes dar tal nome. Mas, como no sertão há florescer? De onde tirar a água que dará sobrevida aos caules carcomidos e finos que não dão nem comida pra formiga? Talvez agora essa seja a menor das indagações. As próximas ações são de entrega àquilo que a vida determinou como sandice ou louvor, porvir de si mesmo. O momento, no lamento da vaca a ver seu bezerro morrer, é rever Maria, fazer de segundos a mais a tresloucada e demorada orgia, acreditar que vale crer. Em algum lugar, no homem vestido de vermelho quente no calor das terras tropicais, os sinais se evaporam a mais.


Saudade ao som de baião

 Por Ronaldo Faria Saudade, essa maldade intrínseca e seca que devora a gente em cada pedaço de ser. Que não devolve a vida que nos faz fa...