quinta-feira, 20 de julho de 2023

Com Fé na Festa do Gil a rolar

Por Ronaldo Faria

 O som rola enrolado na voz do cantor e se arrasta num arrasta-pé que viaja na noite fria e famélica de emoções que brotam no coração que espera o São João. Quando virá? De fato chegará? Quem sou eu para prever?

 


O homem quase garoto, garoto ainda menino, infante e libertino, olha sua amada a rodopiar na fogueira, livre e tardia, com os seios a balançarem na roupa de chita e colorida feito o pássaro que passeia no céu e proseia com a solidão para ela acabar.

Depois a vê dançar num terreiro largado em Pernambuco como fosse um capuco daqueles que a criança carrega no carro de boi de madeira que se esgueira na terra carcomida da seca. E vai a rumar sem prumo àquilo que o futuro nem sabe se um dia existirá.

Agora, como uma rês que se afugenta naquilo que nem ela sabe para onde irá, longe de seu rebanho, o homem, hominídeo há milhares de anos, está desamparado, esquartejado, vivo apenas por memórias insanas e bêbadas, coisas desconjuradas em si.

E o frio? Ele apraz? Se desfaz? Viaja como andorinha em busca do novo ninho, com uma cadela a vociferar? Quem poderá responder? O rio defronte da fazenda matou o avô que tirava bicho de pé do neto sob a luz do lampião que tem cheiro de querosene e canção.

Agora eu vejo o pequeno poço que sobrevivia à seca e trazia no lombo de um jumento a água para o mínimo da casa fazer. Vejo ainda o mandacaru que nunca deixou de brotar e sinto o cheiro que invade os poucos neurônios que teimam em ficar e se interligar.

Ouço também o enxame de abelhas africanas a passar milímetros acima da morte certa. Um zumbir ou zunir em suas asas negras e rápidas. Ávido de algo ser, o menino nunca esquecerá essa cena obscena e cenográfica, nunca captada em lentes ou mesmo sofreguidão.

Sinto o cheiro de farinha na casa onde um tacho quente a faz virar comida e percorro trilhas de cruzes de anjinhos nunca nascidos. Tudo como a descoberta incerta de brincadeiras de alguém que acredita ser um defunto de férias pronto para somente descansar enfim.

Na dança que se encanta na noite sem lua, o aluar de uma saudade que nunca findará. E o pasto esquecido no quarto do milho colhido e seco. A certeza incerta de uma marcha que vai de um lugar a outro qualquer sem nem saber se existirá quando a lucidez voltar.

Hoje, agora, sem aforismo e festa, apenas a incerta certeza de que o que se foi nunca voltará. Sem odores e visões. Tudo apenas como quânticas alucinações em insana lucidez. Com certeza de que uma vela acesa na capela conseguirá em si virar algo que valha lembrar.

Zé Geraldo

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