quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Vamos nos perder, Chet!

Por Edmilson Siqueira

"As notas que ele escolheu tinham uma profundidade incrível que realmente me atraiu. Mas Chet não só tocava. Ele também podia cantar."

Essas frases foram escritas por ninguém mesmo que Herbie Hancock, 81, pianista, compositor e um dos grandes mestres do jazz, e estão no encarte do disco Let's Get Lost, trilha sonora do filme do mesmo nome, um excepcional documentário sobre a turbulenta vida de Chet Baker produzido por Bruce Weber. 

Um dos maiores trompetistas de jazz de todos os tempos, Chet Baker também conquistou milhões de fãs com seu jeito suave de cantar, diferente de tudo que havia em termos de canto até então nos EUA. 

A trilha é um dos exemplos dessa, digamos, versatilidade, do moço bonito que surpreendeu o mundo com seu jeito de tocar e, depois de cantar. E viria a surpreender mais ainda, pois atrás daquelas feições suaves da juventude e daquele som tranquilo e certeiro, havia um viciado que teria sua vida conturbada e limitada pelas drogas e pelo consequente envolvimento com a polícia.

O documentário ganhou prêmios e é descrito como uma sincera biografia, que não poupa os piores momentos, principalmente nas entrevistas com pessoas que conviveram com Chet. A vida de Chet foi o oposto de suas apresentações, marcadas pelo talento de um músico único na história do jazz.

Ele deixou vasta obra gravada, mas morreu pobre, e até hoje se discute se seu fim se deu por suicídio, assassinato ou acidente. O fato é que ele foi encontrado morto numa calçada na Alemanha, depois de uma queda de quatro andares. Dizem que ele estava tentando deixar as drogas à época, quando realizou alguns concertos naquele país que, aliás, viraram dois discos.  Mas não se tem certeza. 

No disco, Chet Baker começa cantando Moon & Sand (A. Wilder, M. Palitz e W. Engwick) e faz um belo intermezzo ao trompete. É uma música triste de um amor perdido, como será todo o disco, como parece ter sido a vida de Chet. 

Mas nem por isso se trata de um trabalho menor, pelo contrário.  As músicas da trilha sonora do filme foram escolhidas de modo a se relacionarem com o que a tela mostra. Imagination (J. Burke e J. Heusen) que vem a seguir, também aborda um amor que só "se imagina". 

For Heaven's Sake (E. Breton S. Edwards e M. Duchess) o próprio nome já está mostrando o apelo à amada para que ela o ame "pelo amor de Deus". 

Every Time We Say Goodbye (C. Porter) é um clássico de jazz, com dezenas de gravações, e nela Chet coloca um tom intimista, quase um fio de voz a cantar as agruras de um adeus, seguida por um improviso no trompete tão pungente quanto seu canto.

I Don't Stand a Ghost of a Chance With You (V. Young, B. Crosby e N. Washington) é mais uma triste canção onde o desejo de conseguir a amada se dissolve na constatação de que tudo só pode ser um sonho. 

Todas as músicas do disco vão mais ou menos na mesma linha, mas não se trata de um disco que poderia enjoar, pelo contrário. O talento de Chet tanto para cantar esse tipo de música quanto para seus longos solos e improvisos, compensam qualquer clima mais pesado e transformam a experiência auditiva em algo prazeroso. 

Um dos destaques do disco é, quem diria, Antonio Carlos Jobim. Trata-se da mais longa música do disco (7m33s), talvez a única de Jobim que Chet gravou. É a famosa Zingaro, primeiro nome dessa música antes que ela recebesse a letra de Chico Buarque e se transformasse em Retrato em Preto e Branco. A letra, quando dessa gravação, já era conhecida, mas aqui é tão somente instrumental, com Chet passeando por toda melodia com seu trompete e, novidade no disco, um violão estilo bossa nova ao fundo, que também improvisa em boa parte da música, num ritmo mais balanceado do que o restante do disco, além de um longo improviso também do contrabaixo. Parece ser a música escolhida pelo conjunto para que todos mostrassem suas qualidades jazzísticas. É o momento, digamos, mais "alegre" de toda a gravação.

As outras quatro músicas que fecham o disco mantêm o clima sombrio, os amores impossíveis, enfim, o clássico repertório de Chet Baker que o tornou um ícone do jazz, que não deixou seguidores, mas influenciou muitos outros músicos e cantores. 

Em outro trecho do texto no encarte do disco, Herbie Hancock escreve: "As notas tornaram-se pivôs conectando os acordes. Sua intuição era impecável, suas escolhas musicais eram perfeitas. Foi então que descobri a grandeza de Chet Baker."

O documentário está disponível na Internet e pode ser acessado em https://insheepsclothinghifi.com/chet-baker-documentary/

O CD pode ser ouvido inteiro nesse endereço: https://www.discogs.com/pt_BR/release/1314441-Chet-Baker-Chet-Baker-Sings-And-Plays-From-The-Film-Lets-Get-Lost

Zé Geraldo

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