quarta-feira, 19 de junho de 2024

Aos 86 anos de Elomar

 Por Ronaldo Faria


No céu onde uma chuva forte promete em nuvens escuras trazer um pouco de vida remida, a crença das músicas e modinhas, árias e animais. Animais que irão parir crias novas e renovar a esperança tardia de que nesse mundão qualquer homem e mulher têm lugar. Coisa que o violão dedilhado feito fado sertanejo traz. E a voz do cantador, encantador de um povo que reza às próprias feridas para que virem plantas em ermidas para as preces chegarem, ecoa no fundão que existe à existência de si mesmo.
Nas incelências que as beatas de preto rezam, cantam e choram, o oratório de fazendas construídas no desejo de uma família gerar. E criar crias de filhos e rumas de netos, bisnetos, quiçá. Em novas gerações, unções de pó e povos prestes a se acabarem em caminhões de pau de arara numa capital do sul qualquer. A mulher, embuchada, largou seu punhado de nada, a enxada, as galinhas e bodes, o alforje do cavalo velho e manco. Agora está a seguir contrita e triste para parir um novo rebento noutro lugar.
Nas esquinas cretinas que surgirão cheias de carros, poluição e pobreza, a destreza de esperar sobreviver feito passarinho que voa sem saber onde poderá pousar. Talvez um barraco de madeira usada em arquitetura famigerada e tragada nas cachaças que Severino irá tomar. Senão, um espaço parco e progenitor de mais Severinos que caminharão trôpegos e perdidos nas avenidas tresloucadas e desmedidas de poucas vidas. Mas, como Jesus pregou, venham a mim criancinhas. Depois, morram como tiver de morrer.
No tanto de concreto discreto que ainda sobra no meio de tantas coisas malfadadas, um pássaro azulão, desses que infestam o sertão, paira triste e natimorto num lugar que não foi feito para ver a paixão. Da calçada calcada em concreto e falta de afeto, um homem pede esmola para deixar seu futuro quem sabe chegar. É Severino, agora um trapo daquele que fugiu do calor inclemente para se transformar num indigente então. Hoje ele sabe que devia ter ouvido o sermão do padre que mandava o diabo desvencilhar.
Nalguma trilha de viela onde mal passa uma alma, um louco da cabeça vaticina que a sina do retirante é ser restante de alguma coisa que nunca acontecerá. No universo do verso do repentista ou do cantador e poeta de cordel, reverso da alegria que nem a sangria da nova filha trará. No ponto de ônibus, lotado feito carcaças de bois e vacas a morrerem de sede e dor, boiada de seres que deveriam ser humanos só rumina. Na verdade, aqui, longe da alegria, pouco há que se fazer no refazer da eira que nunca foi beira de mar.


Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...