terça-feira, 18 de janeiro de 2022

O talento de Papete

Por Edmilson Siqueira

Assim como Jobim, nas palavras de Sérgio Augusto, foi nosso melhor Antônio Carlos, Papete foi o melhor José de Ribamar que o Maranhão nos deu. Engenheiro ambiental por profissão, pouco fez pelo ambiente físico, mas elevou o ambiente cultural do Maranhão a alturas internacionais. 

Eu conheci sua música há muito tempo, quando ele participou de um festival em Campinas com “O Bonde”, singela composição que, depois, faria algum sucesso nas rádios. Mas suas qualidades todos nos foram apresentadas pela Discos Marcus Pereira, sonho de um publicitário que produziu grandes trabalhos e que faliu, como muitos empreendimentos culturais honesto nesse país. Nesse LP - Papete, Berimbau e Percussão - o primeiro dele,  Papete demonstrava mais que suas composições ou sua interpretação correta e singela: havia arroubos de um percussionista que chegou a ser considerado um dos cinco melhores do mundo. Na contracapa do disco, escreveu, mais ou menos assim, um surpreso Marcus Pereira: "Levei um amigo neurocirurgião para assistira uma apresentação de Papete. Ao final do show, ele me disse que o que ele faz na percussão é raríssimo. Um lado é independente do outro, ou seja, ele pode tocar uma coisa com a mão direita e outra com a esquerda, sem perder o ritmo em nenhuma das duas."

As qualidades rítmicas de Papete chamaram atenção de grandes nomes da MPB. Durante um bom tempo ele fez parte dos músicos que acompanharam Toquinho e também João Bosco em shows pelo Brasil e pelo mundo. 

Esse LP da Marcus Pereira, que já não tenho mais (deve estar com minha filha, que herdou todos quando decidi ficar só com os CDs) também vendeu bastante e deu certa fama ao maranhense. 

Depois, Papete gravou mais alguns discos e dois deles, que tenho em CDs, vou destacar aqui. Um é Água de Coco, onde ele mostra, com arranjos magníficos, um leque de seu talento, abrangendo percussão, composição e interpretação. E não tem receio algum de colocar sua visão pessoal em material sagrado como “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam e ‘Promessa de Pescador”, de Dorival Caymmi. E juntando ainda a música típica do Maranhão interiorano, sua especialização maior, em “Cavalacanga”, de Sérgio Habibbe, completada com a instrumental “Procissão dos Mortos”, de Marcus Vinicius. As oito faixas do disco são preenchidas com três composições próprias: a já citada “O Bonde”, “Água de Coco” e “Se Num Samba”. 

Trata-se de um disco que chama a atenção pela qualidade sonora e pela ousadia dos arranjos, como em “Domingo no Parque”, onde um berimbau passeia por toda a música, criando um clima meio nebuloso para uma música que retrata uma tragédia urbana nos quase cinco minutos de duração. “Ponteio”, na visão de Papete, é apenas instrumental, onde um surpreendente teclado faz a melodia, contrastando com a percussão e a viola nordestina. São mais de sete minutos de pura inspiração e improviso. 

Sobre o outro disco, Papete mesmo declarou que se trata de um trabalho emblemático. São nove faixas dedicada à música maranhense das festas e procissões. São composições singelas, onde a festa do boi é tema recorrente. Nesse trabalho, a opção de Papete foi cantar as músicas como elas são, sem maiores arranjos, na simplicidade com que são cantadas nas festas religiosas ou carnavalescas do seu Maranhão. “Boi na Lua”, “Boi de Catirina”, “Dente de Ouro”, “De Cajari pra Capital”, “Flor do Mal”, “Engenho de Flores”, “Eulália”, “Catirina” e “Bandeira de Aço” são as faixas que compõem essa grande homenagem de Papete aos compositores maranhenses. 

Papete morreu em maio de 2016, aos 69 anos, lutando contra um câncer. Foi embora cedo, mas deixou um legado precioso que será cultuado para sempre. 

Os três discos estão no YouTube, nos links abaixo:

 https://www.youtube.com/watch?v=AgGxx2k4oME, 

https://www.youtube.com/watch?v=QvDdZBoEa4c

https://www.youtube.com/watch?v=03lfBktfRXs

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