sábado, 16 de setembro de 2023

As duas e a Farofa Carioca

Por Ronaldo Faria


 
Uma grita para a outra e ninguém, na rua, consegue entender bem o que diziam.
-- Você viu onde eu coloquei o Bombril?
-- Eu vi, o céu está mesmo com uma cor de anil!
-- Como assim? Eu falei do Bombril. E você viu o Gandulfo, o que ele fez com a mulher? Meteu três tiros nela. Ainda bem que só um acertou. Ela está na UTI, mas deve sair dessa.
-- Eu sei, ensaboa mesmo com vontade essa calçada suja. O patrão quer tudo nos trinques.
Na avenida, o homem ouve tudo sem entender nada. Com um suor de inverno no meio do inferno que é a subida, dá de súbito com um som de blues.
-- Agora só falta uma brisa de maconha...
Não dá uma rua transversa a mais e um carro solta o odor mágico que dirime toda a dor.
-- Agora sim, ao menos dá um link e um clique na conversa sem nexo.
Defronte à loja, as mulheres continuam com seu solilóquio inacreditável.
-- Acho que vou tirar férias e vou de ônibus ver minha mãe, na Paraíba.
-- Pasta de copaíba? Não existe. É chiste.
-- A Carminha disse que agora só falta vender o corpo pra pagar a comida das crianças!
-- É verdade: a pança dilatada faz mal adoidado. Manda ela fazer regime e parar de beber feito louca.
Cansado da subida, o homem para. Respira fundo, transcende o próprio submundo e olha para o alto. O céu limpo de julho judia da idade. A secura pede uma a mais.
-- A solução é travar numa mesa de bar...
Barulhenta, a avenida transcorre em carros, fumaças e gente na pista. Santa Edwiges que dê brilho à loucura em decúbito dorsal. Sentado na mesa de plástico, ele apenas olha a espuma que teima do copo descer.

Zé Geraldo

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