domingo, 5 de março de 2023

Com a boca livre

 Por Ronaldo Faria


Corre rio para o mar, faça-se desaguar feito gota de chuva a desabrochar de pétalas transversas e vorazes a tomar de chofre aquilo que chafurda para não ser lama e virar vida. Aqui e acolá um fruto cai para dar de comer às formigas que correm num desolador saber que a morte está logo ali.

Corre o tempo para o fim, famigerado chegar que não leva a nenhum lugar. Talvez um sonho famélico por fazer de si mesmo o esmo de um mundo ensimesmado de jogar às horas e minutos os diminutos e frágeis chegares. Na brincadeira de ser sem eira e nem beira, um umbral volatiliza mortal.

Corre a boca entre as pernas entreabertas da amada, desarmada de sofreguidão e paixão. E silencia a si mesma em lânguidas lambidas pueris e febris. No compasso do passo a passo que percorre madrugadas repletas de fadas e fingimentos, tormentos e tortuosas curvas de um corpo que sua ao som.

Corre o acorde que acorda a verve do poeta de mentira que sentencia a embriaguez perene de saber-se um ser pungente diante do fim. E vaticina a vadia orgia de letras, notas, sons e cismas. Algo que talvez valha no outro lado de qualquer rio, entre risos e desafio. No fio da navalha, derradeiro frio.

Corramos, pois, sem saber a estrada, a luz, o caminho, o destino ao desatino. Sejamos algo como a atravessar um arame de farpas e aço. Num equilíbrio bêbado entre um lado e outro. E assim seguiremos, palhaços e mortais, dramaturgos e artistas num teatro vazio a pedir bis na solidão inoportuna da vida.

(Ao Boca Livre)

Zé Geraldo

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