terça-feira, 21 de novembro de 2023

Malandragem grampeada

 Por Ronaldo Faria


Geovenildo (mistura de Genoveva de mãe e Hermenegildo de pai) cruzou o trilho do trem devagar. Na quentura do Méier, era só uma rampa para outra. Coisa que até o Zé da Muleta Meia Boca conseguiria como fizesse salto à altura em Olimpíada. Tinha acabado de arrancar dois dentes no dentista paraguaio que atende num sobrado encarquilhado onde la garantía soy yo. Sob efeito da anestesia e duas cafungadas, o caminho reto parecia chegada de barco em marina cheia de maresia. “Calma que você logo chega lá”, dizia a si mesmo, nos tantos mesmos de si àquela hora e altura. Vendedores de biscoito Globo e Chá Mate, longe da praia, muambeiros com capa de celular e raquete de muriçoca, trabalhadores cansados de ralar se cruzavam atabalhoados. Para Geovenildo, Gegê ou Nildo aos íntimos, aquilo era um mercado persa. Ou será um persa em mercado suburbano? Com esforço sobre-humano, chega ao ponto desejado. Por sorte, não esbarra num despacho. “Porra, entrega pro santo agora não tem mais cachaça?” Disperso desse mundo, não viu o malandro que corria com a garrafa debaixo do braço. Pensou em pegar o frango, mas ele estava cheio de penas e bem mal passado. Desistiu. “Esse deve dar dor de barriga e pouca sorte”, à conclusão chegou.

Geovenildo, Gê ou Ni para os mais íntimos ainda, pegou o primeiro trem que parou. Conseguiu ao menos subir, meio empurrado pela massa e outro tanto pela sorte que Deus dá aos desvalidos e combalidos, quiçá fodidos do mundo. De pé, seguro pelas outras tantas centenas de passageiros nada fagueiros, foi de estação em estação. Engenho de Dentro, Piedade, Quintino, Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Bento Ribeiro. Marechal Hermes e Deodoro. No fim, não tem jeito. “Ô, meu irmão, acorda! Tem que vazar!” Geovenildo desembarca da barca e segue pela passarela para chegar na rua. No centro espírita perto o incenso corre solto. O atabaque ressoa e a Pombajira (diria o Houaiss) gira sem parar. O cambono segura o refrão e Zé Pilintra dá risada. “Entro ou não?” Batizado e confirmado no ambiente, decide ao menos bater a cabeça para o santo. “O que não é mal feito, mal não tem.” Senta no banco de madeira, faz sua oração e pede socorro. “Meu Oxalá, cuida de mim, que te peço tão pouco”. Sai de lá meio torto e trôpego e serpenteia pelas ruas e ruelas, becos e biroscas, pontos de venda de produtos importados de La Paz ou Bogotá. No céu, uma lua redonda se faz rotunda para seu drama sem segunda sessão marcada e a cortina voltar a fechar.

 (Ao samba de breque do Rio)

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...