quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Com Toninho Ferragutti e Neymar Dias

 Por Ronaldo Faria


“Vixe Maria, pra que tanta picardia? Não bastava um alforje mequetrefe cheio de comida, corte barato e formoso de pano pra Maria, um tanto de resistência contra essa seca sombria?” A voz de Gumercindo, meio homem e outro tanto pequeno menino, fugia pela estrada logo depois do rio acima. Ao longo de tanta areia fina e seca perene, dessas que enganam a gente a crer que Deus esqueceu desse mundo para viver às margens de uma árvore frondosa, que nem em foto se vê, lá está a realidade que só a saudade, batedeira de coração, dá.
Senhor desses que a vida mostra que pouco falta, Gumercindo, comerciante anunciante do próprio eufemismo, proseia consigo mesmo, a esmo, a trilhar a trilha que o destino aproximou, feito um louco em desatino. “E se eu tivesse feito diferente? Se a minha única frase não tivesse sido dita como foi? A minha vaca teria dado cria do boi do Alcindo?”. E lá ia ele, rumo ao matadouro que uma mesa com pinga traz, ver o que o tempo, esse carrasco do vento que nunca virá, poderá lhe trazer na tragédia finda que lhe ronda o lugar.
 
II
 
À espera de Gumercindo está Eulália. Para uns era mera mulher. Para outros, uma divina dama que cruzou os mares vinda da Itália. Sorridente, mesmo à falta de alguns dentes reluzentes, ela transpunha aquilo que a quimera sequer saberia prever. Seu querer, acreditava como beata de terço e véu à beira de um altar, um dia chegaria sem carta para anunciar. Saber-se-á. Talvez num desses trens que teimam em sujar de fuligem negra as roupas penduradas no varal e o ar. Senão, quem poderá dizer, será avistado todo vil, moço e garboso num verso insosso.
Para Eulália, não havia diferença entre feijão e tremoço. O que descesse à garganta chegaria aonde tinha que estar. Na crença de que a ausência era a presença altaneira, se via brejeira a vestir vestido de chita e flores coloridas a untarem a veste que escondia seu desejar. No lugar, o cheiro de querosene, solene e perene, iluminava a alva áurea que fingia se achegar. No céu, como um escarcéu de nuvens e estelas, morcegos e corujas dividiam o que, para um poeta, seria a certeza de que o criador de tudo esqueceu de trazer a transcendência do breu.

Zé Geraldo

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