terça-feira, 5 de março de 2024

À música de raiz enraizada na gente

 Por Ronaldo Faria


O rio parece seco. E está. Suas areias, alvas e em pequenos grãos, se espraiam no canto onde raízes de árvores viram lugar pra apenas se deitar. Numa dessas raízes um avô de pele morena e terno branco descansou para o sempre. No sempre que nesse mundo pode haver, um cão morreu de fome e sede a lhe esperar. No sertão carcomido de seca e esperança, a anca da mulher mostra que outra cria está para chegar e se aconchegar ou no berço de madeira barata ou no chão de terra que cobre o caixão tão pequeno que até uma criança pode levar. No solstício da lua, a fogueira brilha nas fagulhas que se espremem para no céu chegar. Mas qual, morre antes mesmo de esfriar o pouco de fogo que a fez surgir na morte do graveto púbere e cortado, roçado a foice afiada. Feito tocar de sanfona e alumiar breve e quente, desses que fazem dois corpos acasalar. Que une beijos e braços, acalanta no acalento o que só o acalanto dá. E esquenta na junção de carne molhada e requentada no calor que somente os corpos dão. Senão, que venha o espocar de fogos de artifício, no seu ofício de iluminar e clamar paixões. Daqui do chão, enfurnado em si, o poeta profetiza seu fim. No afim de um menino que se atira às tiras que são cortadas no carneiro que geme a morte vinda e jogada na gamela, o ruminar de um tempo envolto de cheiros e choros, gozos e afoitos poemas sem rima e fonemas. Todos famintos de retintos textos, escritos de sangue e saudade infinda. Na cacimba que faz o burro urrar de dor, a infértil poesia. A brincadeira declarada e descarada, descartada e arrotada de perfídias e pútridas flores que deixaram de nascer e ver o sol ungir de vida a mais escondida erva de esquina. Talvez no futuro, esse que não há, o choro das letras derramadas na tela que brilha far-se-ão meras feridas. Ganidos de cães e lágrimas de seus pais, na espera das cinzas se juntarem para o sempre que nada mais é do que um nunca mais.
 
II
 
O assovio que o vento traz, no pio da coruja enfurmada no seu toco que resiste à sana do homem devastador, rouba o silêncio que é excrecência da essência do milagre da vida. Quem sabe num canto qualquer o bêbado esteja agora a beber a infinda sede de nunca ser.
O cheiro que a madrugada denota, entre notas que flutuam ouvidos e vitrais abertos ao chegar, faz o fastio de uma fome intrínseca e seca secar. É certo que o amante irá beber sua sede de descobrir-se em mil copos que a cópula faz antever como o âmago do prazer.
O toque que o escuro denota perpétuo e obscuro é o descobrir que faz gozo e esperma escorrerem pela perna escondida no cobertor de um Opala de quase 50 anos atrás. Na pedra preciosa do sorriso da índia carioca, a oca do menino ainda só aprendiz e brejeiro.
O pensar de um além aquém de quem sabe ser algo que voa e avoa feito a vida diária e embriagada de inútil talvez e coração, foge de si. Afinal, sabe que só há passado entremeado de salpicos de presente dormente por saber que nunca será o futuro de si mesmo.
O ouvir de um porvir cansado de esperar seu chegar apenas brinca de parquinho. Do alto, um anjo chamado pelos poetas de anjinho bate as suas asas arquejadas do lumiar. Daqui, na vazia promessa que esquece a pressa, apenas verte um rio calado de ser real em versejar.


Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...