sábado, 7 de janeiro de 2023

Bossa nova: um programa histórico

Por Edmilson Siqueira 

Tenho assistido a um depoimento - dividido em várias partes - de um dos fundadores (se é que existe essa categoria) da bossa nova. Trata-se do grande compositor e violonista Roberto Menescal, hoje com 85 anos e esbanjando saúde e talento. Esses depoimentos estão no YouTube e como já acessei várias vezes, o logaritmo da rede colocou como sugestão um musical que ele fez com Nara Leão, em 1987, na TV Manchete. Claro que não se trata de uma raridade, pois publicado no YouTube está ao alcance de muita gente. Mas, pelo registro, menos de 54 mil pessoas assistiram ao programa. E pouco mais de mil deixaram seu "like". Ou seja, o público amante da bossa nova não conhece e o público mais jovem, que não conhece o que foi a bossa nova, está perdendo uma boa chance de assistir a dois de seus maiores expoentes num show de técnica, vocal e repertório. Além da beleza de Nara, que paira acima de qualquer suspeita.  


Nara, também chamada de "musa" da bossa nova (o que ele detestava, diga-se), era filha da classe média alta, com apartamento grande em Copacabana, de frente para o mar. Por sorte ficou amiga, na juventude, de alguns compositores que, num futuro bem próximo, estariam fazendo uma música que sairia das areias das praias do Rio e ganharia o mundo, começando pelos Estados Unidos, onde chegou a virar febre e influenciou nada menos que o jazz, uma música com as mais profundas raízes norte-americanas.  


Menescal era um desses amigos, frequentava o apartamento com outros amigos, que também levavam o violão, e o local ficou conhecido como onde nasceu a bossa nova. As noites eram preenchidas com um uisquinho, muita conversa e música cantada baixinho para não incomodar os vizinhos. Menos às quartas-feiras, dia em que o pai de Nara reunia os amigos, entre eles Paulo Francis, para um pôquer. 

O programa da Manchete não se restringe às apresentações de Nara e Menescal - ambos ao violão - mas, dirigido por Aloisio de Oliveira (o maior produtor da bossa nova) o programa tem alguns trechos em que artistas (e o próprio Aloisio) falam sobre o que foi o movimento que ganhou o mundo. Aloisio abre o programa apresentando Nara e Menescal. 


O repertório é clássico, como não poderia deixar de ser. Começam com "A Felicidade" (Jobim e Vinicius) e o que vemos são dois artistas descontraídos, cantando e tocando como se ainda estivessem no apê de Nara, por volta de 1956.  

""Desafinado" (Jobim e Newton Mendonça), a segunda música, começa com um prólogo que não consta das gravações todas que se fizeram dessa música, mas era algo comum nos anos 1950.   


E, completando a trilogia de clássicos de Jobim, entra "Chega de Saudade", que ele fez com Vinícius e é considerada a música que despertou os brasileiros para a nova forma de cantar e tocar samba, também conhecida como bossa nova.   


A quarta música nos apresenta outro fundador da bossa nova: Carlinhos Lyra, amigo de Menescal e Nara, autor também de clássicos do movimento, principalmente em parcerias com Vinícius. Aqui, a música é "O Negócio é Amar", cuja letra é de Dolores Duran, então uma cantora de sambas canção, mas que entrou muito bem no espírito da moçada da época. 


Só na quinta música é que o maior sucesso de Roberto Menescal (em parceria com Ronaldo Bôscoli) é apresentado: "O Barquinho", cujo história é curiosa. A turma toda havia saído para passear na Baía da Guanabara num barquinho. Já longe da praia, o motor pifa e, ao tentarem fazê-lo pegar novamente, ele produzia um som com ritmo que ia sumindo e Menescal e Bôscoli até brincaram com ele, fazendo ligeira melodia que combinava com a vã tentativa. Até que apareceu um barco maior que os socorreu, amarando o barquinho e levando-o de volta para perto da praia. Na volta, Menescal começou a cantar "o barquinho vai, a tardinha cai", mas ficou nisso. Dia seguinte, no apê da Nara, Bôscoli pediu para repetir a melodia que haviam feito com a batida do motor tentando pegar. Depois de algumas tentativas, conseguiram a melodia e Boscoli fez a letra, aproveitando como refrão o trecho "o barquinho vai, a tardinha cai". E assim, nasceu, de uma brincadeira, uma música que é cantada e gravada até hoje em todo o mundo. 

As seguintes músicas, intercaladas de depoimentos de alguns personagens do movimento, como Carlinhos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Armando Pittigliani e os próprios Roberto Menescal e Nara Leão, são cantadas a seguir: "O Pato" (Jayme Silva e Neusa Teixeira), "Manhã de Carnaval" (Luiz Bonfá e Antônio Maria),  "Você e Eu" (Caros Lyra e Vinicius de Moraes),  "Você" (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), "Eu Gosto Mais do Rio" (Pacífico Mascarenhas), "Dindi" (Jobim e Aloisio de Oliveira), "Wave" (Tom Jobim) e "A Banda" (Chico Buarque). 


O link para assistir o programa é https://www.youtube.com/watch?v=LPBCV8fS3ZU&t=513s . 

Zé Geraldo

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