sábado, 7 de outubro de 2023

Extraído da foto em som e fotograma

Por Ronaldo Faria


A tez da mulher parecia ter saído uma orgia, dessas que a gente nunca mais esquece e o corpo padece de se recuperar. Seu olhar, na sombra da tarde que entardece e enternece quem de longe olha só por olhar, vê a foto que o som extraído de um fotograma perdido e urdido no passado que o naufrágio da paixão deixou afundar no mar mais morto que o próprio Mar Morto não sabe denotar.

A face da mulher, sem a flacidez que logo lhe chegará, é como a faceta que existe entre o amor e o marujo que se perdeu no mar do amar. Suas mãos buscam os lábios do amado como fossem beatas na beira de um altar. Mas não há onde tocar. Sôfregas, como samaritanas de uma procissão, seguem a desdenhar o desejo. Na insólita chegada do insólito anoitecer, um cão uiva sua solidão ao luar.

Os braços da mulher, à espera de um abraço avassalador, desses que curam e cicatrizam qualquer dor, cansaram de se estender. Na verdade, não há muito que entender. Na ilusão da frágil imensidão que existe entre ser e querer, o coração bate em retidão na espera de um dia parar. No frigir de ovos que a panela ou a procela dão, só a cadela já morta descansa quieta naquilo que a eternidade dá.

Na boca da mulher, o desejo e o ensejo de que um dia o universo há de se descortinar como um palco sem cortina final, onde o público aplauda a mais ridícula sanha que nem uma edícula deixaria morar. Nos tragos que se fazem farrapos e num escrevinhar tresloucado, o homem que o hímen dela não vê, traça versos e versículos e apenas repete, em verve, a primeira canção solar que surge ao amanhecer.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...