terça-feira, 15 de novembro de 2022

Para carnavalizar

 Por Ronaldo Faria

Pierrô, esquece a tua colombina. Ela não combina mais a fantasia com a tua. Os olhos cansaram da purpurina do salão e os confetes deixaram de cair do alto do salto a gingar no vazio coração. A avenida está tardia e a bateria deixou seus instrumentos quietos num canto qualquer. A porta-bandeira há muito não vê seu estandarte tremular. O mestre-sala mora num quarto e cozinha longe do mar. O arlequim vende quinquilharias de Pequim. A passista passa longe dos prantos da arquibancada que agora aplaude um destaque sujo de nanquim. Baianas rodopiam a ouvirem o pio da ave que deita ao sol da mangueira, quente no calor. Compositores se decompõem ao samba de autores mil. No ritmo do ritmista solitário da dispersão, ainda foge da garganta dos aflitos a derradeira canção. Como recomeço de quatro dias à dor imortal do amor que, no samba-enredo, se fez campeão e fatal.

Por isso, Pierrô, esquece tua colombina. Para com teus passos em descompasso. Deixa de lado a fantasia escondida em tantos dias e sai nu pelas ruas a gritar que é preciso cantar para a dor ter fim. Que é preciso reaver o sorriso perdido nos dentes brancos daquela que passa entre as alas da escola a dançar e cantar como fosse o Carnaval de um despacho a qualquer santo imortal. É preciso olhar nos olhos que brilham, rebrilham e borbulham a saltarem da íris feito cor do mar. Assim, Pierrô, deixa o choro às cinzas de uma quarta-feira que, sobremaneira, far-se-á. Jogue todas tristezas e mazelas no esgoto e deixe que o suor a descer de ti seja eterno esquecer. Afinal, a árvore quase já morta ainda quer crescer. Dança e requebra, quebra e lança ao longe a tua ilusão. Deixe que se refaça a canção. Distante, no ditame do enfim, uma rosa, como diria o poeta, há de falar do perfume que rouba de ti.
 
(Ao mestre Cartola e o Carnaval)

Zé Geraldo

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