quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Piano ao fim do álcool

 Por Ronaldo Faria


 

O copo está quase vazio. Do balcão o garçom diz que já vai fechar. No piano, o músico pede, aos prantos, o fim do expediente no bar. “Tem barbitúrico?” A resposta é que não há. E agora, onde as mágoas do amor despejar? Over The Rainbow. Como que por algo mecânico, o pianista vira apenas artista de boulevard.
Os poucos casais que ainda se postam nas mesas que ninguém mais quer limpar, descobrem que o gelo que virou água não irá se repor. Se ele conquistou ou não a amada, só a fada da foda noturna/madrigal/marginal irá dizer ou argumentar. Se ela conquistou o seu desejo só o bruxo do ensejo/sobejo/casual falará.
Na avenida que prenuncia um tanto de orgias e outros poucos ou muitos tantos de remédios para dores de ressaca, cabeça e tristeza, carros se volatilizam na poesia. Flanelinhas correm atrás dos trocados tresloucados que bêbados lhes darão. No orfeão da vida, premida e prenha, perdida, os faróis piscam como clamídias.
O último freguês abre a última garrafa. Seu ser solitário ultima o alvorecer encardido e vazio na cama que nem box é. Paga a conta e conta quantos passos dará até o seu lar. Alardeia, em devaneios, os meios que amanhã terá. Talvez uma vez irá esbarrar com o amor na rua, ou quem sabe um carro louco o atropelará.
À saída do resistente, o dono do bar cerra as portas. O pianista, vulgo artista, agradece. “Sobrou algo na cozinha?” – pergunta em voz rouca de quem cantou de Sinatra a La cumparsita. O cozinheiro diz que sim. Tem batata, arroz e algo chinfrim. No mundo que se esvai, o tempo agora apenas se distrai.


Zé Geraldo

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