sábado, 1 de julho de 2023

Nordestino Jovino Santos Neto

Por Ronaldo Faria

Ah, meu Nordeste... por quê estás tão longe milimetricamente se existe em mim na carne que ainda bate simultaneamente? Onde estão teus cheiros, esmeros, fontes de água límpida e risos destravados de dor, como imagina o filho desterrado de cá?

 


Embriagado de desejar ser e estar, a vagar, Juvêncio corre entre árvores mortas, capim seco, cabeças de gado já descarnadas por carcarás, pequenas covas que guardam corpos de gente que nem vingou. Seu cavalo percorre picadas, foge de espinhos que sangram o mais forte dos vaqueiros, vira sem eira e nem beira à vontade das mãos que o chicoteia. Para ambos, uma estrada à vista, onde a vista anseia caminhos nunca trotados, tratos nunca criados, vontades nunca feitas. Em cenas refeitas e desfeitas, a fresta de uma porta esconde a mulher posta em trejeitos nus e beijos perdidos e urdidos, ardidos, feito a ferida que vislumbra, translúcida, a certeza de nunca sarar.

Mas Juvêncio não para. Segue em frente sempre, fronte molhada de suor e rasgada de rugas profundas que lhe correm a face. Sabe que em algum momento, nem que seja em lamento, seu destino chegará. “Ave Maria de lá”. No alpendre da fazenda deixada para trás, o pai dorme na rede dependurada de acordo com o lastro de sol. No poço logo perto, de água salobra e quente, os animais matam a sua sede de querer na Terra ainda ficar. O vento traz uma brisa tênue e fugaz. Em algum lugar deve haver o nunca mais. Resta somente saber se será aqui e agora ou para depois de algo que se esvai. Na crina molhada do cavalo descem gotas que abrandam a chegança mansa.

Feito ser imperfeito, Juvêncio trilha um universo onde há de tudo, menos verso. Talvez sílabas soltas, rotas, feito louças que se quebram em translúcidos cacos que cortam o quase anoitecer. O sol lhe queima os olhos, a poeira traz uma névoa dispersa que parece ter pressa de dispersar. Seu cavalo, único amigo de agora, corre enlouquecido nas derradeiras forças que restam. Mais um pouco, cairá decerto. Feito decreto divino de algum feitor, roubará os últimos minutos, nas notas de uma canção dedilhada em anginas mortais, desfará as certezas que nem o maior ébrio do lugar poderia crer. Cansado, depauperado, Juvêncio para seu animal e, descrente, nada mais anseia.

Lembra o passado, sua filha a buscar os raios da manhã, num olhar distante de quem sabe a morte infame e sórdida logo chegará. Seu mundo desgarrado, destratado e desamparado, partido entre meios, entremeio atado, parece um poema que nem em prece perceberá ser sagrado. Untado de pó marrom e segregado, Juvêncio já não cavalga. Apenas senta, encarquilhado, e vê as primeiras estelas chegarem. Achega-se a si mesmo e, a esmo, dilacera o que, além da serra, pode se ser vida ou vastidão. E apenas fecha os olhos, chora seu mundo final e descobre, afinal, que tanto trilhar termina sempre, invariavelmente, num escuro, infértil, inexistente e inócuo lugar.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...