quarta-feira, 8 de março de 2023

Ao Rolando Boldrin

Por Ronaldo Faria

Madrugada enluarada e ponteada de raios de luz que descem do céu entre o mato seco e largado e a saia da morena que brinca de amor na pele suada. Coisa de correr pelo sertão em cavalo barbo, desses que derruba peão e relincha e pula feito demônio a vencer o dragão que se esconde em cada saudade desvairada e desvirada ao avesso do verso.

Madrugada enviesada de saudade de raios de luz e lembranças das ancas que se desnudam no rio que verte ao mar feito ilusão – visão prateada e pranteada de um sol que dorme de roncar em algum lugar. Talvez do lado debaixo da Terra, onde nada apruma para o prumo da vida, quem sabe do alto de uma serra que vê de cima tudo que se perde do chão.

Madrugada ensimesmada e calada entre goles de birita pouca e barata, ou talvez a barata que corre de esgoto em esgoto à busca de comida. Afinal, neste final de alfinetes e falsetes, tanto faz como fez ou fará o canto de uma coruja ou de um sabiá. Na esquina que desatina a dar caminhos mil ao ébrio, a história vira só memória da dor que vem de antemão.

Madrugada versejada e reticente, dessas que se envolve de verve e canção, segue teu limiar do alvorecer, deita na rede que balança entre árvores e vultos e se faça vórtice de qualquer lugar. Para o cantador pouco importa se o coração tem porta de entrada ou de saída. Basta um cantinho onde a morte se mostre poesia derradeira de uma dor que dorme doída. 


Um dia falaram para a criança que dormia que o sonho existe para se acordar e o pesadelo serve para as manhãs de sol anuviar. Daí os dias começavam e derreavam entre tropeços e atropelos, feito tropéis de cavalos enlouquecidos nas rédeas que viajam de terra em terra consumida e carcomida. De comida, um poema aqui, uma trova ali, uma troça acolá. Na sacola ou no embornal carregado nas costas queimadas pelo sol, desejos de ter um lugar para parar. Um colo para guardar seu amor, um varal para quarar sua dor, uma boca para matar a sede de ser. Assim, como louco, desses que corre de cidade em cidade a crer que é possível vencer a maldade, o menino foi pelos anos de vida afora a caçar uma moda de viola para fazer seus dias clarear. Hoje, velho alquebrado, sem cabeçalho ou ponto final, vive de bar em bar, a desatinar. Fala com um, grita para si mesmo e vê-se, em enlevo, nos últimos dias brotar feito espinho que fere o dedo da amada com a rosa despetalada sem saber porquê...

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...