Por Ronaldo Faria
Eles dançavam na beira do mar.
No ar, o som do forró girava corpos em sinfonia madrigal. Ele e ela, os dois,
brindavam às ondas com pés molhados num sol que vem adormecer a criação da
tarde. Na cor do Nordeste, um vento leste voa reluzente na areia que espuma com
a água que vira de ponta nas duas cabeças. Na sandice cênica, um candeeiro logo
surgirá da efêmera nuvem negra que sairá do cheiro de frescor noturno, desses de
amor quase soturno que se esconde dos olhos dos outros para outrora germinar.
Na casa que mil paus pôs a
pique para nascer, o brilho tragicômico e harmônico da rabeca se junta ao
violino. E das cordas acorda o imaginário que surge sempre e urge para ficar,
apesar de ir embora a cada florada fora de hora. No quintal, o mandacaru brota quase
morto de sede. Mas revive nas sonatas que fogem pela janela entreaberta onde a
festa faz-se numa cama forrada de linho branco. No fogão a madeira crepita a
cantar a voz da natureza perplexa com tanto amar. Mas, na beira do mar, eles
estão a dançar.
E, portanto, no tanto que pode
existir e ter, o luar se embriaga de ser. Chama as nuvens para cobri-lo de textura
e se atira entre uma e outra sombra que se faz no rio seco que a cheia esqueceu
de beijar. Nas poças que sobram, bois e vacas soçobram como arquétipos de seres,
ossadas que caminham devagar a esperar a morte chegar. Mas, longe, entre o
limite do terreiro e a imensidão do mar, o casal esquece que há finitude ou
latitude entre a crença e o coração. Aos dois resta, por fim, a imensa e real
mansidão.