sábado, 17 de dezembro de 2022

Sob o som inicial de Celso Fonseca

 Por Ronaldo Faria


Primeira dose

Cansaço. Pedaço de corpo arqueado e delimitado, atado em letras e parágrafos parafraseados pelo desejo de ser. Sensível e risível sob o risco de ver o tempo passar sem ver. O olhar vazio, no corpo hiperglicêmico, descobre-se no copo de álcool transgênico de laranja. Remeto ao som do computador a dor de querer viver. O viés não dá lugar à solidão. O dogma é saber que sem limite não há visão do querer. E as frases vão se formando no brilho da tela com palavras desconexas, letras que faltam, erros cobertos de vermelho e vozes. No Natal, haverá nozes. As odes, nestes dias de chuva de inverno e inferno lunar, são o passado remeter. E como dói ser e não saber ter.

 
A segunda dose

Explode o copo na mão. Em centilitros graduados, sua e molha a mesa onde se antevê a retilínea curva da formosa sereia. E vê-se os cabelos negros que lhe cobrem os ombros, os olhos negros que sorriem no todo e os lábios desnudos entre dentes brancos e graves, com gosto saber-se-á de quê. Vê-se que o artista a criou num livro quase igual. Há brilho no desatino da busca sem fim. Mas, diga-se a verdade, não há ela, apesar dos lamentos sem rima e fim.
 
A terceira dose

A música da musa, qual será? Tocará aqui ou se ouvirá só no Ceará? O poema da amada, qual será? Não terá sido ainda escrito ou estará guardado e proscrito, cravado na cruz? O beijo daquela que inspira o poeta, como será? Terá um toque de língua persuadido pelo desejo molhado e venal ou marcará somente o ensejo de querer virar texto em praguejo de não a ter? Na cama da mulher, quem deitará? Quem será o(a) eleito(a) a tocar-lhe os seios, despir-lhe entre toques e mãos sob a luz da madrugada para amá-la na tarde que se esvai? Para onde eu fui ou para onde ela vai? Nem em slow motion bossa nova dream consigo responder...
 
Na quarta dose

Toques de violão do Celso Fonseca preparam a chegada do piano de João Donato. São 23h32. Opostos. Cópulas. Copos. Cones “vodculares” e inconclusos. Obtusa margem de erro e devaneio. Verão em anseio. Calor e furta-cor. Olho que coça. Finitude que caçoa. Beber ou beber, eis a questão? Acima de mim, nada. Abaixo de mim, o chão...
 
Na quinta, osmose

A quinta dose desce como fogo. Dela só saberei amanhã. Tudo sintomático, no afã. Vida, finita e vã. Parece que perdi de novo o que pensei encontrar. Festa de dedos que doem e limite de pensamentos que corroem. Daqui a pouco gostaria que nascesse, ao invés de um, muitos sóis. Nas caixas de som, mis, sis e bemóis. A voz denota o Donato. Só a musa não faz parte do ato. Ficam o abraço sem corpo, o beijo sem rosto, o ato largado no esgoto. Em desgosto, abomino o oposto. Entre vidros, vê-se o teto solar. A abrir e fechar, entrar e voltar nos volteios do dorso desnudo e fugaz. A madrugada se põe a raiar.

Saudades da Guanabara. Que barra. Quando ou onde hei de parar?

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...