sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Erasmo, o tijucano...

 Por Ronaldo Faria



“Eu podia estar roubando e matando, mas sou viciado em rock n’roll”. A frase do Erasmo Carlos no seu show de 50 Anos na Estrada, em julho de 2011, diz muito do que foi o Tremendão. Devia ter publicado esse texto que agora escrevo no dia posterior a sua morte (como propôs o meu escudeiro neste singelo blog, o mestre Edmilson Siqueira), mas estou e me considero aposentado das coisas corriqueiras da vida. As coisas para mim agora acontecem assim, devagar. Devagarinho. Cansei de emitir razões e palavras no instante de um deadline. Não tenho mais o “parem as máquinas” como ordem suprema. É bom e ruim. É ruim mas é bom. Hoje, um pouco recuperado da vida, a viver cervejas, decidi escrever. Assim, como um "orgasmo quase inenarrável", como disse Erasmo no show por estar no palco naquele momento, sigo sem expor grandiloquências de conhecimento musical, mas prometo reviver minha infância criada no mesmo bairro que o Erasmo nasceu e viveu sua infância, assim como eu - a Tijuca carioca.

Sou tijucano da gema, nascido às quatro da manhã do dia 20 de novembro de 1957, quando meu pai, no dia seguinte, como juiz da capital federal, ouviria o histórico comunista baiano Carlos Marighela numa ação do Estado brasileiro contra ele. Já escrevi sobre este dia, logo deixarei de lado esta questão (não leiam cuestão, coisa que devemos esquecer em nome da sanidade cultural e nacional) e apenas revelarei de novo que nasci em casa, com parteiro, na cama que meu pai deveria estar dormindo se há nove meses antes não tivesse me feito com a Dona Staël. Mas, voltemos à Tijuca. Erasmo e Tim Maia nasceram em rua colada a minha, ou vice-versa. Aliás, eu nasci depois numa rua perto (colada) da que eles vieram para engrandecer a MPB e a vida. Em tempo: tijucano é o único gentílico carioca reconhecido e registrado.

Nunca curti muito a Jovem Guarda, mas devo dizer que sei cantar uma porrada de músicas dela e assistia aos filmes do Roberto Carlos no Cine Santa Terezinha, na Tijuca, uma sala de cinema mirrada que fazia parte do complexo da Igreja de Santa Terezinha. Lá eu tentava enganar o bilheteiro antes de completar 14 anos para assistir os filmes “impublicáveis” de 14 anos, em vão. Sempre fui mais ligado na MPB que Vinicius, Tim, Tom, Chico, Caetano, Milton, Gil, Geraldo Vandré, Gal, Bethânia, Elis, Mutantes e o Mestre Lua representavam. Como era um analfabeto em inglês (por opção de não querer aprender a língua do “opressor” naqueles anos de chumbo), não curti como deveria Beatles ou Rolling Stones. Errei, talvez... Mas a gente só aprende com o tempo. Mesmo sabendo que esse aprendizado não se leva para lugar nenhum. Arrependo-me? Sei lá, foda-se!

Mas, como disse o Erasmo no show, “eu não quero ninguém triste aqui hoje”. Mesmo que a tristeza tenha feito residência eterna para mim no dia 9 de outubro último e irá me acompanhar até a derradeira cremação e união. Enfim, voltemos ao Tremendão. Acho que ele foi um ícone na MPB. Foi parceiro do dito Rei, virou o jogo na rebeldia do rock e seguiu sem mesuras a própria estrada. Foi rebelde, roqueiro, genuíno, ele próprio. Suas canções, suas estrofes, suas letras, seu jeito de ser, certamente foram muito mais autênticos do que o Roberto “bom moço”, que posava com os generais-presidentes da ditadura em sorrisos largos e se eternizou nos especiais globais. Enfim, cada um segue rumo que quer seguir e que faça bom proveito dele. Contudo, para quem bateu cabeça e deu muro em ponta de faca (e dá até hoje), rompendo contratos e fatos como eu, em troca de uma consciência exígua e plena, prefiro o Erasmo.

Não vou aqui discorrer sobre o DVD de 50 anos de carreira  (fantástico) e os discos dele (tenho quase todos). Não sou de me achar um crítico exemplar. Na verdade, sou sequer um ser exemplar, quanto mais crítico. Mas me rendo ao Erasmo como fã de alguém que abriu mão de estar no ápice da MPB como o seu parceiro de canções para ser ele próprio: um roqueiro na essência e um ser múltiplo, com seus "disparates", seus "erros", acertos, loucuras, entregas à vida, incongruências, dias fatídicos e por vezes prazerosos. Que na velhice, ao contrário do Rei, não pintou os cabelos. Ou seja, alguém como eu e você, raríssimo leitor. Que se sabe mortal e imortal na própria e única existência terrena. Afinal somos seres de alguns momentos, algumas quirelas de felicidade, alguns irrisórios ditames capazes e incapazes de sorver os mistérios que se abrem e se fecham em cada amanhecer e morrer de um dia. Coisa frugal e letal. Eterna para uns e finita para tantos. Como sabedor de ser finito por apenas uma geração a mais, declino aqui minha homenagem ao Erasmo. Grande Tremendão, uma singela homenagem do seu “parceiro” de bairro. Maravilhosa e bendita Tijuca. É isso aí, bicho, que a eternidade lhe seja tudo de bom. E que tudo seja uma brasa, mora! Afinal, é assim que a quero logo mais. E que não esteja errado...

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