terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Ronaldo Bastos, um grande poeta da MPB

Por Edmilson Siqueira 

Se há um aspecto da MPB - da boa MPB, diga-se - em que o Brasil está bem servido, é a parte literária. Sim, desde sempre tivemos letristas que, muitas vezes, melhoraram o que compositor havia feito, tornando as melodias mais palatáveis por conta dos versos ali colocados.  

Uma das preocupações de Tom Jobim nos EUA, quando a bossa nova começou a tomar conta daquelas paragens - havia até cursos de dança especializados em bossa nova - era com as letras que iriam colocar em suas músicas, quase todas muito bem "letradas" aqui por gente como Vinicius de Moraes, Newton Mendonça (também compositor e que dividiu com Jobim música e letra de, por exemplo, Desafinado, e o próprio Jobim, um grande letrista, como provam as canções em que seu nome aparece sozinho. Wave, por exemplo, era só uma música instrumental com esse nome. Ele pediu a Chico Buarque para fazer a letra. Chico só fez o primeiro verso - "Vou te contar...".   Jobim completou a letra. Ou ainda, o sucesso mundial, como várias outras de Jobim, Águas de Março. 

Pois hoje a estrela desse meu artigo é um dos maiores letristas da MPB, cuja inspiração e versatilidade é admirada por todos que conhecem sua obra. Trata-se de Ronaldo Bastos, que estourou com o Clube da Esquina e, embora tenha uma afinidade muito grande com os mineiros todos, nasceu em Niterói. O que não quer dizer nada, já que Milton Nascimento é carioca de certidão... 

Pra se ter uma ideia da qualidade das letras de Ronaldo Bastos basta dar um olhadinha no Google e elencar seus parceiros: escreveu canções com Milton Nascimento, Celso Fonseca, Beto Guedes, Tom Jobim, Edu Lobo, Lô Borges, Caetano Veloso, Danilo Caymmi, Guilherme Arantes, Toninho Horta, Marina Lima, João Donato, Ed Motta, Flavio Venturini, Lulu Santos, Cleberson Horst, Tito Madi, Johnny Alf, Joyce Moreno, Luiza Brina, César Lacerda, Arthur Nogueira, dentre outros. E seus versos foram cantados por Elis Regina, Nana Caymmi, Milton Nascimento, Gal Costa, Jussara Silveira, Sarah Vaughan, Roupa Nova, Marina Lima, Tom Jobim, Chico Buarque, Simone, Ney Matogrosso dentre outros. 

Pois o disco em questão se chama Cais, nome de um dos seus primeiros sucessos em parceira com Milton, e é especial: dez músicas com os mais variados parceiros e cantadas por astros que não fizeram aquela parceria específica. Lançado como LP em 1989 e como CD em 1995, com produção de Milton Nascimento, Cais é um mini retrato da melhor qualidade desse poeta da MPB. 

Vou seguir a ordem das músicas do CD, mas ela é diferente da ordem do LP. O CD abre com Cais, numa emocionada interpretação de Caetano Veloso. Depois da gravação de Milton e de Elis dessa música, Caetano encarou o desafio com maestria e, detalhes, um arranjo perfeito, discreto e marcante. 

A parceria com Lô Borges, uma das mais frutíferas de Ronaldo, vem a seguir com Sonho Real. Gal se mostra suave em toda melodia de longa letra. Detalhe para o acompanhamento perfeito apenas dos teclados de Wagner Tiso.  

O grande sucesso de Milton Nascimento, Fé Cega, Faca Amolada, que Ronaldo escreveu com o próprio Milton, surge na terceira faixa na interpretação do grande Alceu Valença cujas qualidades todas o Ronaldo já enunciou no artigo anterior a esse. A música ganha um toque mais nordestino aqui na voz do pernambucano.  

A importância de Ronaldo Bastos se evidencia ainda mais na próxima música. Ninguém menos que Tom Jobim se incumbe de tocar piano cantar e fazer o arranjo de Trem Azul. E tem mais: a letra em inglês - que não está nesse disco e sim em Antonio Brasileiro - é do próprio Jobim. Para a gravação, nosso maestro soberano reuniu um timaço de músicos: Paulo Jobim, Danilo Caymmi, Jacques Morelembaum, Paulo Braga e Tião Neto. No vocal, as cinco cantoras que o acompanhavam sempre. Ficou tudo ótimo. 

Chico Buarque se juntou a Mestre Marçal e a quase uma bateria de escola de samba para gravar Circo Marimbondo, também de Milton e Ronaldo.  

O grande sucesso Nada Será Como Antes surge com uma interpretação surpreendente de Herbert Vianna e os Paralamas do Sucesso, com um arranjo funkeado, com metais, guitarra e forte bateria.  

A belíssima letra de Ronaldo Bastos na música de Beto Guedes, Amor de Índio, traz o próprio Milton como intérprete, acompanhado apenas pelo piano de Tulio Mourão. Mais um momento emocionante do disco na voz de Milton, que torna a canção mais lenta, pronunciando muito bem cada palavra na voz que o consagrou. Uma aula de canto por um mestre. 

A feliz união da afinadíssima Ângela Maria com o grupo Nouvelle Cuisine foi a feliz escolha para Bons Amigos, parceria de Ronaldo com Toninho Horta, um violonista de peso que costuma passear pelo mais puro jazz em suas composições. A voz da cantora e de Carlos Fernandes, o cantor do Nouvelle, se misturam no excelente resultado da gravação. 

Flavio Venturini é autor da música a seguir - Todo Azul do Mar. Mega sucesso na gravação do 14 Bis, aqui é Beto Guedes que se incumbe de apresentá-la, com a especial ajuda do Roupa Nova no coral. Um show.  

A última música do CD é A Página do Relâmpago Elétrico, parceria com Beto Guedes. Apresentada pelo RPM, com uma versão mais pro rock balada que ficou muito boa. 

O disco termina com uma vinheta de 50 segundos. Com o som de ondas quebrando na praia suavemente, Caetano canta, à capela, os primeiros versos de Cais. Um final que engrandece ainda mais essa ótima homenagem a um dos melhores poetas da nossa MPB. 

O CD Cais está inteiro disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=qY7M6YFjYzw&list=OLAK5uy_k7RjoHJjsJNw6GR58QN7B9CUJzmtos_Bc

Zé Geraldo

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