sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

O grande Nelson Gonçalves

Por Ronaldo Faria

Amo Nelson Gonçalves. De paixão inenarrável. Em MP3 tenho muita coisa dele (porque é impossível ter tudo de quem gravou 183 discos em 78 RPMs e 128 álbuns na carreira). Tenho 73 discos. Em CD físico tenho apenas dez discos. Aqui vou destacar Nelson Gonçalves & Raphael Rabello e Nelson Gonçalves & Arthur Moreira Lima. Acho que esses exemplos, de dois músicos virtuoses se dedicarem a acompanhá-lo, dizem tudo sobre a importância de estar numa mesma obra com “O Boêmio”. Para mostrar a sua importância na MPB, basta esclarecer que esse gaúcho de Sant’Ana do Livramento foi o segundo cantor a mais vender discos na história fonográfica brasileira. Ao todo foram mais de 78 milhões, ficando atrás apenas de Roberto Carlos. E logo ele, que tomou conta dos ouvidos de gerações nessas terras tupiniquins por décadas, sofreu bullying na infância por conta da sua gagueira e viveu em luta depois contra o álcool e a cocaína. Mas, nunca a ponto de perder a voz que ninguém mais e nem menos do que Frank Sinatra elogiou como uma das mais lindas que escutou em vida.

Em Nelson Gonçalves & Raphael Rabello, Ao Vivo, há 14 músicas. O disco, lançado em 2002, virou documental, já que nenhum dos dois estava mais entre nós nesta data. As duas primeiras são um solo daquele que foi um dos maiores violonistas do Brasil, morto precocemente aos 32 anos em 1995 (Nelson morreu em 1998, aos 77 anos). São elas: Samba do Avião e Luiza. Para variar, o violão de sete cordas de Raphael Rabello desenha nessas composições de Tom Jobim uma obra-prima a se ouvir uma, duas, vária vezes. Depois, começa o repertório a seguir aquele que, do alto dos seus 70 anos à época, mostrava uma sonoridade impecável.  

Começa com Quem há de Dizer, Súplica, As Rosas Não Falam, Nunca, Chão de Estelas e Fracasso. Em todas, a beleza que marcou cada uma de suas mais de duas mil canções. Um marco dos 50 anos de carreira que então comemorava. Depois chega Velho Realejo, onde Raphael Rabello volta com seus acordes em destaque. Daí, Número Um, Deusa da Minha Rua e Três Lágrimas. Na próxima música – Naquela Mesa – ele rege a plateia, uníssona, num clássico brasileiro que se eternizou na obra de Sérgio Bittencourt. Por fim, o disco termina com Pra Esquecer, lírica do “baixo astral e dor de cotovelo”. Ou, como está escrito no encarte do CD, são 39 minutos de “uma seresta moderna”. Se é que seresta pode ter modernidade que não seja o enlevo de viver entre uma voz e um violão a brindar o amor.

Já em Nelson Gonçalves & Arthur Moreira Lima – O Pianista e o Boêmio temos 16 composições. O disco é um projeto cultural dos extintos Banco Nacional e Transbrasil. O disco é de 1992. Ele começa com Chão de Estrelas e vai na voz de Nelson com Camisola do Dia, a eterna A Volta do Boêmio e Caminhemos. Na quinta faixa é a hora de Moreira Lima tocar em solo Tico-Tico no Fubá. Nem precisa dizer que nas músicas anteriores o piano de cauda do virtuose se desfaz pleno como parceiro quase univitelino de Nelson. Como se ambos, piano e voz, fossem um só. Camisola do Dia é um exemplo claro e total. E o piano entrou no disco após Nelson fazer as gravações de voz a capella. Foi tudo mixado depois e virou um CD que, se juntasse ambos em estúdio, ao vivo e a cores, não seria melhor do que saiu. Basta dizer que o pianista e o boêmio fizeram juntos cerca de 50 shows pelo País.

No CD caminhamos com a magistral Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda (de novo abrilhantada pelo piano), a incrível Dolores Sierra (com introdução quase flamenca) e a Mulher que Ficou na Taça. A nona faixa é com um solo indescritível de Moreira Lima – Lamento. Seguem o grande bolero El Dia Que Me Quieras e as fantásticas As Rosas Não Falam, Fica Comigo Esta Noite, Meu Dilema, Escultura e Pensando em Ti. Haja adjetivos e substantivos neste texto... Mas é impossível não tê-los para esse disco. As duas próximas faixas são solos de Moreira Lima: Fon Fon e Apanhei-te Cavaquinho. O disco termina com a voz de Nelson em Último Desejo e Dos Meus Braços Tu Não Sairás

Enfim, temos o juntar de um piano irretocável e uma voz irreparável. Do Nelson Gonçalves recomendo também os três CDs antológicos que marcam parte da carreira do cantor no 50 Anos de Boemia I, II e III, e o próprio 50 Anos de Boemia Ao Vivo no Olympia (SP). Assim como recomendo os discos A Volta do Boêmio e Bacharel do Samba. Mas, imagino por fim, se não fossem o álcool e as drogas, se a voz do “Metralha” poderia, no fim da sua carreira, continuar inigualável como sempre foi. O show no Olympia mostra, porém, que pouco se perdeu e minha tese cai por terra. E ele continuava um fumante inveterado (teria sido o cigarro, inclusive, o vilão da sua morte por infarto). Mas, se não fossem esses arroubos de quem vive a noite e é um boêmio batizado em prazeres e inebriantes loucuras, seria ele o Nelson Gonçalves que foi?

Enfim, é isso. Como disse antes, acho que ninguém vende mais de 78 milhões de discos à toa. Tem que ser diferente. Tem que ter algo a mais. Seja o que isso for. Só um último adendo: ele, junto com Elvis Presley (e apenas ambos), foi quem ganhou o prêmio Nipper da então gravadora RCA por mais tempo junto ao selo, além de faturar 38 discos de ouro e 20 de platina. Logo, tinha e tem que ser Nelson Gonçalves. E ele é só ele. E fim de papo. Um brinde à vida! Seja ela da forma que for ou tenha sido.

 Nelson Gonçalves & Arthur Moreira Lima – O Pianista e o Boêmio você encontra no Deezer e no Spotify.

Nelson Gonçalves & Raphael Rabello, Ao Vivo, você encontra no Deezer, no Amazon Music e no Spotify.

Zé Geraldo

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