terça-feira, 4 de junho de 2024

Duas historinhas da MPB

Por Edmilson Siqueira


Toquinho e Vinicius escreveram sambas que vão ficar na memória dos brasileiros por muito tempo. A parceria entre os dois foi um casamento perfeito, gerando músicas que eles mesmos gravavam e eram tocadas em todo país. Aliás, não só aqui. Os argentinos, por exemplo, pelo menos os de Buenos Aires, têm adoração pela dupla. É que eles fizeram uma temporada por lá, aproveitaram a ocasião e gravaram um LP. É o disco  brasileiro mais vendido na Argentina até hoje. E, recentemente, ouvindo uma rádio de jazz de lá (Blackie Jazz FM), ouvi uma propaganda de um show numa casa noturna em comemoração ao aniversário de 50 anos do lançamento do disco da dupla. 
Mas o que eu ia contar sobre eles é outra história. A ambos estavam na Bahia, na casa que Vinicius tinha em Itapuã. Toquinho lhe apresentou as últimas músicas que tinha feito sobre os versos do poeta e notou que havia um papel com um poema sobre a mesa. Perguntou a Vinicius se era letra nova. O poeta respondeu afirmativamente, mas disse que era uma letra que ele ia mandar para Dorival Caymmi. 
No dia seguinte, Toquinho tinha de partir para São Paulo, com volta marcada para Itapuã para dali a três dias. Quando chegou de volta, encontrou o poeta nervoso: "Sabe aquela letra que eu lhe mostrei, que ia dar pro Caymmi? Pois é, sumiu, perdi. Não consigo mais encontrar. E não sei se conseguirei fazer outra."
Toquinho se sentou, pegou o violão e disse: "É o seguinte, poeta: quando você disse que ia dar a letra pro Dorival Caymmi  eu fiquei com um enorme ciúme. Então, roubei a letra, levei pra São Paulo e botei uma música nela. Eu vou mostrar como ficou. Se você não gostar, eu quero que você seja muito sincero e diga que não gostou. Aí você dá a letra pro Caymmi."
Vinicius ouviu, se emocionou com a bela canção que seus versos geraram, até cantou o refrão junto no fim e disse: "Tá ótima! Não preciso mandar pro Caymmi, não."
E assim nasceu "Tarde em Itapuã",  de Vinicius e, claro, Toquinho. 

                                                            II



Dona Zica foi mulher do genial Cartola de 1964 até a morte do mestre, em 1980. Numa entrevista ao grande Zuza Homem de Mello, este perguntou se ela, alguma vez, presenciou Cartola compondo. Dona Zica não titubeou e respondeu: "As Rosas não Falam eu vi como nasceu."
Zuza arregalou os olhos para a história que viria e ela prosseguiu: "O Cartola foi visitar um amigo que morava num sítio. E quando ele voltou, trouxe uma muda de roseira que o amigo deu pra ele. Chegando em casa, ele plantou a muda no jardim e cuidou muito bem dela. Toda dia ele regava e conforme ela ia crescendo, ele tirava as folhas secas, arrumava a terra em volta e cuidava para que ela pudesse crescer. Depois de um tempo, a roseira começou a dar rosas vermelhas, lindas. E todo dia, Cartola ia lá, pegava uma rosa e colocava num altarzinho que tinha na sala, da nossa santinha.
Um dia, eu até perguntei, brincando, se a roseira não ia parar de dar tanta rosa. Ele me respondeu que não sabia se ela ia parar, porque as rosas não falam... Rimos da frase e, no dia seguinte, ele pegou um copinho de conhaque e me disse, como dizia sempre que ia compor: "Vou lá pro quarto e se chegar alguém diga que saí. Estou com uma ideia na cabeça e vou ver o que dá pra fazer. Uns vinte minutos depois ele me chamou e falou: escuta aí o que eu fiz, vê se tá bom..."
E assim, Dona Zica ouviu "As Rosas não Falam" em primeiríssima audição.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...