quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Um disco que entrou para a história

 Por Edmilson Siqueira 

O genial Miles Davis volta à tona nos meus prazeres musicais. Dia desses, recebi de um amigo as histórias dele com Hermeto Paschoal quando se encontraram em Nova York e gravaram juntos algumas músicas. No disco em que elas foram publicadas, não há créditos pra Hermeto. O Bruxo se zangou? Não. Disse que se Miles achava que as músicas eram dele, então eram. 


Mas essa fase de Miles com Hermeto já era, para mim, outro Miles. O genial trompetista de jazz já havia desaparecido há uns tempos para ser substituído por um músico totalmente inquieto, buscando novas formas de exprimir, pela música, o que seu cérebro engendrava. O resultado, para mim, ficou a desejar. Não gosto de música experimental e é com isso que se parece quase tudo que Miles fez depois que abandonou o jazz que fazia e que andou revolucionando a música. 


Mas o que está tocando aqui por esses dias é seu mais perfeito trabalho: "Kind of Blue", lançado em 17 de agosto de 1959 e, até hoje, considerado por muitos como o melhor disco de jazz de todos os tempos. Eu, particularmente, não chego a tanto e, confesso, tenho dificuldade para definir um disco, ou mesmo um artista, como o melhor de todos. Gosto de muitos e passo ao largo dessas listas.  


Com Davis, havia um time do maior respeito, alguns músicos que também podem ganhar o título de geniais.  Senão vejamos:  Julian "Cannonball" Adderley (saxofone alto); John Coltrane (saxofone tenor); Bill Evans (piano); Wynton Kelly (piano em "Freddie Freeloader"); Paul Chambers (contrabaixo) e Jimmy Cobb (bateria). Só cobra criada. 

"Kind of Blue" foi gravado em duas sessões realizadas no 30th Street Studio da Columbia Records, em Manhattan. Em 2 de março de 1959, as músicas "So What", "Freddie Freeloader" e "Blue in Green" foram gravadas para o lado A do LP original e, em 22 de abril do mesmo ano, foi a vez das canções "All Blues" e "Flamenco Sketches", perfazendo o lado B.  


Em 2008, antes mesmo dos 50 anos do lançamento, a Columbia lançou uma edição comemorativa do cinquentenário do antológico disco. É o CD dessa caixa e que reproduz o LP original que estou ouvindo agora. Ela é chamada de "Edição de Colecionador" e, a versão brasileira, vem numa caixa com dois CDs, um DVD e um folheto com 12 páginas, como ótimos textos e belas fotos da gravação. Havia também uma camiseta com a estampa de Miles em corpo inteiro, da gola até a barra. Só que eu precisaria ser um jogador de basquete para preenchê-la. Dei de presente para um amigo da minha filha que tinha (ou tem) mais de 1,80m. Na versão dos EUA há ainda um livreto com 60 páginas. 


O primeiro CD, com a obra original de "Kind of Blue" completa tem, além da tomada alternativa de "Flamenco Sketches", um raro início falso para "Freddie Freeloader" e uma seleção de diálogos de estúdio registrados durante as gravações do disco. No segundo, há mais materiais musicais raros das sessões com o sexteto, incluindo alguns do encontro de 26 de maio de 1958, os quais já haviam sido lançados em The Complete Columbia Recordings: 1955–1961 e em 1958 Miles. Também no segundo CD, há a primeira versão disponibilizada legalmente de uma gravação de performance ao vivo estendida da música "So What" num concerto de 1960 em Haia. 


Há, ainda, um DVD com um documentário que aborda a concepção e gravação de "Kind of Blue". O DVD conta também com vídeos do programa de TV "Robert Herridge Theater: The Sound of Miles Davis", que foi ao ar originalmente em 2 de abril de 1959, estrelado por Miles Davis e John Coltrane.  


É, sem dúvida, um disco soberbo, feito quase todo ele sem uma definição anterior do que se iria tocar. Segundo Bill Evans, que assinou a contracapa do disco original e cujo texto é reproduzido no encarte da edição comemorativa, "Miles planejou tais definições poucas horas antes das datas de gravação". 'So What' consiste em dois modos: dezesseis escalas do primeiro, seguidas por oito do segundo, e então outras oito escalas do primeiro. 'Freddie Freeloader' possui forma padronizada de blues de doze compassos. 'Blue in Green' é composta por um ciclo de dez escalas seguindo uma curta introdução de quatro. 'All Blues' é caracterizada como um blues de doze compassos em 6/8 tempos. 'Flamenco Sketches' configura-se com cinco escalas, cada uma executada tão longamente quanto foi de desejo do solista, até que ele completasse a série". 


Claro que o melhor de tudo isso é ouvir o que esses músicos geniais, Miles em particular, fizeram há 63 anos e que até hoje continua sendo ouvido, comprado, estudado e serve como referência a quase tudo que se fez de jazz posteriormente. 

O CD está à venda nos bons sites do ramo e há várias versões no YouTube para se ouvir, mas a que reproduz fielmente o LP original (e traz um bônus com um vídeo de "So What") é essa:  https://www.youtube.com/watch?v=ylXk1LBvIqU&list=PLrhkpF1bKMG_D2sxTpxG63WGmIxYGB-Jt . 

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