Por Ronaldo Faria
O poeta manda a mulher esquecer
seus cotovelos, que devem estar prostrados (creio) sobre a mesa. Na luminária
que brinca de sombrear retinas, rotundos e redondos homens a desejam, mas têm
medo de decifrar seus medos diante dos seios que sobressaem do vestido
vermelho, revestido de tafetá. Era para ser uma noite a mais, dessas que
bronzeiam o sol de tanto luar e torneiam corpos despojados e despejados nas
camas traquitanas e infinitas. Nos sonhos hediondos e irrisórios não há lugar
para tardes vazias ou poesias. Talvez um navio perdido no mar que seca a cada
paixão. Senão, a mágica farsa de sobrevoar o deserto de cada ilusão. Antropofagia
diária rumo à morte que fica mais perto a cada minuto diminuto no cuco que há
muito deixou de cantar ou contar novas e priscas eras. Na mesa, um manjar
quieto e quente a derreter vira sobremesa nenhuma. No espanto de quem se
esconde em cada canto ou pranto, a noite fria se esparrama na fórmica da
cozinha. Na gélida saudade forjada em feridas, a certeza incerta de que muito
há que chegar para depois se perder. Sob a volúpia da bebida mais barata para
sobreviver no mês que se fará seguinte na sequência entre a fuga e a demência,
o poeta perpetua sua presença, furtiva de si e amiga maior. Em tom de dó, mas
sem dó daquilo que se foi, o cantor traça o andor sobrevivente e vivente da
própria desgraça pouca. Rouca, a voz interior vocifera. Feito rima, a sentença brinca
de ser eterna. Mas falta a perna que se alisa e se aperta quando quilômetros
correm rumo ao prazer.
-- Senhor que inexiste, esteja
em riste na porta do paraíso para conter o encontro do homem e da filha/cadela
antes de, juntos, se unirem em cinzas. Conto com esse mistério etéreo para que
a treta que hoje existe frutifique.