quinta-feira, 17 de março de 2022

Solar Trio: uma agradável aula de música

Por Edmilson Siqueira 

Houve um tempo aqui em Campinas que o teatro interno do Centro de Convivência Cultural servia até para gravação de discos. A própria Sinfônica gravou alguns discos ali e vários conjuntos também, como foi o caso do Solar Trio. Abandonado por administrações municipais incompetentes, todo o conjunto ali se arrasta numa reforma há anos, depois de se tornar algo imprestável. Talvez um dia ele volte a funcionar como teatro e não como abrigo de morcegos e outros bichos. 


Mas, quando sua estrutura ainda podia receber um grupo para, aproveitando-se de sua excelente acústica e do belo piano Steinway & Sons que ali havia (não sei se ele sobreviveu ao descaso), gravar um disco, o Solar Trio ali esteve nas noites dos dias 18 e 19 de junho de 1995 e nos presenteou com doze interpretações muito pessoais de várias pérolas da MPB, mais uma gravada no Ômega Studios, além de algumas criações próprias. 

O Solar Trio era formado pelo grande Bebeto ao piano, que assina duas das músicas do disco com seu nome próprio: Arno Roberto von Buettner. Ele morreu em agosto de 2014, aos 66 anos. Na bateria e percussão, o músico da Sinfônica - e do jazz na noite - Jayme Pladevall. E no contrabaixo acústico, o hoje bacharel, mestre e doutor pela Faculdade de Música da Unicamp, Zé Alexandre Carvalho. 


A reunião desses três não poderia dar errado. Músicos de fina sensibilidade, deram às composições escolhidas para o disco um tratamento nobre. Nada de grandes arroubos sonoros, mas apenas o trânsito possível e agradável nas melodias. Trata-se, e digo sem medo de errar, de um excelente disco de MPB e jazz, uma perfeita fusão entre os dois estilos que são responsáveis pelas duas mais belas músicas populares do mundo.  


Bonita, de Tom Jobim, abre disco com uma suavidade impressionante. Bebeto, que costumava se esbaldar nas teclas nas noites campineira, aqui assume um comportamento sóbrio diante da obra de um mestre. O contrabaixo de Zé Alexandre e a bateria de Jayme Pladevall fazem o acompanhamento discreto e certeiro que a melodia necessita. 


De Jobim para Caetano Veloso é o que nos traz a segunda faixa: Muito. Após uma introdução de Bebeto, a jazzística composição de Caetano dá ao grupo a chance de navegar por todas suas possibilidades melódicas. É a música com a maior seção de improviso do disco. 


A música que Roberto Menescal e Chico Buarque fizeram para o filme de Cacá Diegues, Bye Bye Brasil vem a seguir. A melodia de Menescal não é muito grande e se tornou repetitiva na longa letra que Chico escreveu. Aliás, segundo o próprio Menescal, a letra tinha umas dez páginas. A que acabou sendo gravada foi uma pequena parte escolhida por Cacá Diegues. O Solar Trio resolve com maestria e improviso, navegando pelos caminhos sugeridos sem se esquecer da bela melodia, nos sete minutos. 


O clássico Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá e Antonio Maria, mantém não só a qualidade das músicas escolhidas, como perpetua a impressão de que se trata de uma das mais belas melodias da MPB. O grupo não economiza na trilha, com momentos de improviso do contrabaixo que aumentam ainda mais a beleza da música. 


Tristeza de Nós Dois, de Maurício Einhorn, Durval Ferreira e Bebeto Castilho, é música constante no repertório de muitos conjuntos de jazz do Brasil. Com seus sete minutos e um segundo de duração é a música mais longa do disco e campo fértil para o talento do grupo. 


A música seguinte é a primeira de autoria de Bebeto (foto): Notas Bach. Um exercício sonoro muito bem resolvido que mostra que também em composição própria o pianista não deixa a desejar. 


Tom Jobim volta na sétima faixa, na companhia de Vinicius de Moraes com Chora Coração, uma música pouco conhecida da dupla, mas que se presta muito bem à proposta do Solar Trio.

A faixa seguinte é outra de autoria de um membro do grupo: Antigo Nada tras a assinatura do baterista Jayme Pladevall. Como não podia deixar de ser, a percussão inicia a música, vindo a seguir belo solo feito no contrabaixo com arco. É quase uma vinheta, de apenas 1 minuto e 44 segundos, sem a participação do piano de Bebeto.


Outra música de Bebeto (foto), Lisa, também é de ótima qualidade, não ficando a dever nada para as músicas famosas que compõem o CD.


As quatro últimas músicas são todas de autores famosos e de alta qualidade também: Trilhos Urbanos, de Caetano Veloso, Canto Triste, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes (atenção para o belo solo do contrabaixo tocado com arco); Imagem, de Luiz Eça e A. de Oliveira, um samba gostoso e rápido e Outra Vez, de Tom Jobim. Enfim, trata-se de um ótimo disco para ouvir sossegado e sentir saudade do tempo em que Campinas tinha uma vida cultural intensa e acessível.

No YouTube, ao teclar "Solar Trio" encontrei doze das treze músicas do disco. Estão separadas, mas dá pra ouvir bem.   

Zé Geraldo

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