sábado, 12 de fevereiro de 2022

Alceu Valença e suas oito pérolas

Por Ronaldo Faria

O disco é curto. São apenas 27 minutos e 49 segundos. E tem somente oito músicas. Entretanto, ele marcou a carreira de Alceu Valença, que já tinha sete discos em estúdio gravados anteriormente. Bateu a marca de 1 milhão de cópias na época e consagrou em definitivo esse pernambucano no cenário da MPB. Este ano Cavalo de Pau completa quatro décadas do seu lançamento e continua épico. Afinal, as canções nele contidas são até hoje hits valencianos. E quem, em 1982, que estivesse na faixa dos seus 20 e poucos anos, não curtiu paixões, noitadas, bebedeiras, amores ou loucuras do bem com essa raridade sonora... Afinal, esse era um tempo em que o Brasil tentava respirar liberdades, nos estertores da ditadura militar. A sensação de descobrir e redescobrir coisas novas explodia na juventude e na sociedade. Alceu foi um desses marcos de brasilidade renovada vinda do Nordeste, com seu maracatu e forró, misto de reggae e xaxado.  

O disco é autoral. Das oito composições, quatro Alceu conta com parceiros. Morena Tropicana e Pelas Ruas que Andei divide com Vicente Barreto. Já Maracatu tem parceria com Ascenso Ferreira e o grande e eterno Dominguinhos assina junto Lava Mágoas. Rima com Rima, Cavalo de Pau, Martelo Alagoano e Como Dois Animais são de autoria própria.

Alceu Valença, que está com 75 anos, é de São Bento do Una, no agreste de Pernambuco. Aliás, Pernambuco é um caso a ser estudado a fundo na MPB. É um estado onde a música brota do chão com a força do novo, do renovado, com expressões múltiplas e coletivas que arrancam desde a sonoridade do seu interior à urbanidade de Recife. Com grupos que mostram a potencialidade em notas e versos, há a vida que vai do caos das palafitas à revolta transformadora que junta genialidade e teatralidade.

Tentarei, no futuro, mostrar um pouco desse tanto que é Pernambuco, unidade da Federação que mais lança coisas boas à MPB. Tudo com traço local e universal. A música que vem de lá não pode ser rotulada como um gênero apenas. Quinteto Violado, Banda de Pau e Corda, Banda de Pífanos de Caruaru, Nação Zumbi, Cordel do Fogo Encantado, Cascabulho, Mestre Ambrósio, Mombojó, Mundo Livre S/A, Ave Sangria, SpokFrevo Orquestra, Quinteto Armorial e Comadre Fulozinha são apenas alguns exemplos de grupos.

Já compositores, músicos, cantores e cantoras formam um número sem ter fim. Além de Alceu Valença, há Accioly Neto, Bezerra da Silva, Anastácia, Dominguinhos, Jorge de Altinho, Chiquinha Gonzaga, Lenine, Lia de Itamaracá, Luiz Gonzaga, Lula Côrtes, Lula Queiroga, Luiz Vieira, Antônio Nóbrega, Nando Cordel, Otto, Paulo Diniz, Rildo Hora, Selma do Coco, Siba e Velho Faceta, entre tantos mais.

Mas, voltemos a esse grande Alceu Valença. Ex-advogado e jornalista (se formou no primeiro e foi correspondente do extinto JB em Recife), em 1971 foi cair no Rio de Janeiro para se aventurar na vida musical. Com o seu parceiro de vida Geraldo Azevedo lança em 1972 seu primeiro disco – Quadrafônico. Depois, mais 29 discos de estúdio, onze ao vivo e 12 coletâneas surgiriam. O último, do ano passado, é Senhora Estrada.

Mas Cavalo de Pau é, sem dúvida, um marco definitivo na sua obra. Com Morena Tropicana galgou todas as listas de audição nas rádios da época. Tornou-se hit nacional, mostrou que a sua música tinha se consolidado como irreversível às emoções e ouvidos de todos nós. Era impossível frequentar um bar de música ao vivo sem escutar algo de Alceu (e creiam que em Campinas já existiu um tempo onde a música nos bares era livre para deleite de todos). Era impossível frequentar uma festa em república sem rolar o disco na vitrola. Todas as oito faixas podiam afundar no vinil se alguém não se lembrasse de mudar. E para quê mudar? Para a noite e madrugada serem boas era só deixar Alceu rolar.

Esse é um disco histórico, que merece estar nos alfarrábios sonoros de todos que gostam de MPB. Sigo Alceu desde então. Para mim, a sua obra transcende o tempo, desde os idos de 1982, ano que desembarquei aqui em definitivo na profissão e fui viver. Além de Cavalo de Pau, tenho diversos discos da sua lavra que foram pérolas desse período de quatro décadas. Vou falar rapidamente de outro que um dia discorrerei com maior atenção e respeito musical: Valencianas, de 2014. Gravado junto com a Orquestra Ouro Preto, é um CD/DVD imprescindível também vital para ouvidos e corações. Mas isso fica para depois. Curtam agora os 40 anos de Cavalo de Pau. E voltemos no tempo na esperança que, com esse voltar, a tal de esperança chegue de volta também.

Cavalo de Pau pode ser ouvido na íntegra no Amazon Music, no Spotify, no YouTube Music e no Deezer.

Zé Geraldo

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