sábado, 26 de fevereiro de 2022

A live do Gil que espalhou sofá

Por Ronaldo Faria

Infelizmente, as festas juninas estão há dois anos longe do Nordeste (será que este ano as teremos?). E isso é muita dor para quem tem nessa região do país as suas raízes culturais e familiares, como as tenho. Mas, no CD São João em Araras – Ao Vivo, lançado no final do ano passado, Gilberto Gil aprontou na sua casa na cidade fluminense de Petrópolis, no bairro de Araras (onde ficou em quarentena por causa da pandemia) um forrozão. Numa live que teve a participação especial da filha Preta Gil (que tinha acabado de sair de uma Covid), ele mostrou em quase uma hora e nas 16 músicas incluídas que o xote, o forró e o xaxado não morrerão nem com um vírus microscópico ou nas trevas que a cultura brasileira vive hoje. E o certo é que ambos pesadelos têm data para acabar. Afinal, não há mal que dure para sempre, como diz o ditado popular. E este CD mostrou que é possível juntar o par abraçadinho, levantar a poeira do terreiro da nossa casa e viver na sanfona e no zabumba o sonho da essência regional daquilo que a MPB tem de melhor.

Gilberto Gil tem na sua discografia outros discos que remetem aos festejos juninos. Deles, Fé na Festa, de 2001, é um exemplo.  Mas no mundo nordestino desse artista há ainda As Canções de Eu, Tu e Eles e o São João ao Vivo, além do CD/DVD Fé na Festa ao Vivo, gravado no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Já neste novo disco, advindo da live do ano passado, de todas as músicas inclusas o mestre Luiz Gonzaga é lembrado em oito composições. A ele se unem obras de Dominguinhos e Anastácia, Targino Gondim e do próprio Gil. A live é um grande unir de família. Tem Preta Gil, Bem Gil (guitarra), José Gil (percussão e vocal) e Nara Gil (backing vocal), além de Mestrinho (sanfona) e Jorginho Gomes (zabumba). Nela, Mestrinho lembra num momento das dificuldades de viver sem o São João por causa da pandemia que desfez a realização das festas nos últimos dois anos, mas lembra que dá para tirar o sofá da sala e forrozar, xaxar ou xotear. 

Senão, como o próprio Gilberto Gil fez questão de dizer ao fim do São João em Araras, “como dizia Dona Canô, quem não morre, envelhece”. E nessa live ele comemorou mais um ano de vida. Na casa serrana da família que ele chama de “A Linha e o Linho”, ouviu parabéns pra você e mostrou que ainda dá no couro, feito mostra a música Óia eu Aqui de Novo. Na verdade, nosso ex-ministro da Cultura e hoje imortal da ABL parece não envelhecer. Como os bons vinhos, rejuvenesce a cada obra. Na live ele segura a onda sem intervalo, sem edição e regravação. É ele 100%. Totalmente Gil. Genial. E como amo ele de paixão, fica difícil não gostar de tudo que faz. 

Neste CD, encontrado em todas as principais plataformas digitais, para nossa alegria, Gil nos traz o seguinte repertório: Fé na Festa, Dança da Moda, Óia eu Aqui de Novo, Assim Sim, Respeita Januário, O Xote das Meninas, Eu Só Quero um Xodó, Asa Branca, A Volta de Asa Branca, São João Xangô Menino, Me Esperando na Janela, Qui Nem Jiló, Pedras Que Cantam, Isso Aqui Tá Bom Demais, Toda Menina Baiana e Olha Pro Céu. Enfim, como este é um disco que se acha fácil na internet, não deixe de ouvir e curtir. É um convite à alegria, a paz, a saudade e o Nordeste. Afinal, vai que uma nova variante desse vírus, que não é uma gripezinha ou sequer um resfriadinho, como quis plantar alguém que não merece nem ser nominalmente citado, surge e ficamos outra vez sem o São João... Torçamos para que não. Não merecemos. A felicidade e a alegria têm que ser urgentemente replantadas dentro do coração de cada um de nós. Em São João em Araras – Ao Vivo as sementes estão aí prontas para brotar. É só deixar jogá-las no chão das nossas vidas. Enfim, “vamos pra frente que para trás não dá mais”.

Zé Geraldo

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