quarta-feira, 21 de junho de 2023

Billy Blanco

 Por Ronaldo Faria


Ele subia o moro quando parou, entre a bebedeira da madrugada finda e a feira que já se montava, para garantir centavos e alguns avos tardios na caderneta do homem que vendia desde a mãe até a vadia que nele grudara pelo insensato feto que paria. Subia e parou porque um sambista sorvia um gole de cachaça e entregava ao vento sua voz que cantava a derradeira morte na horizontal.

Mas ele continuou a subir. Cambaleante e trôpego, translúcido ao último luar e itinerante de emoções sem noção, coisa de quem titubeia em praguejar nas mesas de bar e o inaudível cantor da própria solidão. Em vão, dá bom dia à lua tardia que se esconde e sequer sabe que há desvão. Certamente, no barraco, uma morena o espera para redescobrir o amor que ama em apenas ser bom.

E assim continuou, nas sinuosas ruelas cercadas de tijolos e telhas de amianto, como tudo fosse um simples pranto disperso. Um subir quieto feito incesto e cataclismo, perplexos de sê-lo. Tem vontade de lamber um selo e mandar carta à amada para que ela o receba com carinhos e beijos, café quente na mesa e desejos de “rolar”. Mas, qual nada, há somente a chegada do mesmo nada.

Mas lá foi ele, a pensar que um Deus que deixa tantos morrerem à mingua, ainda pode existir ser bom. Mas, ao menos, tem o lampejo de ver que está sob o domínio de goles e golfadas e diz com sua razão: “Fodam-se as regras do mundo, já que estamos lá no fundo”. E subiu os últimos metros de terra, cheirou os derradeiros cheiros que o dia que nasce dá e brincou de poeta ainda poder ser.

Parou defronte ao barraco que teimava em não descer ligeiro morro abaixo e agradeceu o pouco que derramava dos olhos encharcados de saudades e riquezas inexistentes. Por sorte, a birosca do Noca estava a fechar as toscas portas. Pediu a última cachaça, sorveu o penúltimo gole e deitou sob a árvore morta no tempo a ver o sol que rebrilhava no chegar qualquer que vertia num sequer.

Começou a cantar sem uma letra saber e fez-se Pavarotti num samba eclético e profético nunca cantado antes ou decantado entre alas e baianas cariocas na avenida. Apenas o foi, nas falácias que a vida dá. Achou que era, viu-se em quimeras, sorveu o fel e o mel que a vida dá. Porém, sem saber, morreu. No jornal popular do dia que enxugava o suor, virou pé de página: “Malaco torra na dor”.

Zé Geraldo

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