sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Rolando Boldrin, meu contador de músicas e causos

 Por Ronaldo Faria


Vou interromper um pouco os meus textos “poéticos” para falar de uma perda que aconteceu na última quarta-feira. Aliás, que dia morfético: levou-nos Gal Costa, que o parceiro Edmilson Siqueira homenageou ontem, e Rolando Boldrin, de quem falarei hoje. Como carioca de nascença, nunca pensei que pudesse gostar tanto de um caipira. Nada contra os caipiras, afinal minha infância foi em parte no interior da Bahia e de Sergipe, nos tempos que nem energia elétrica havia nas fazendas, tudo a base de lampião e luar, e acabei me casando com uma filha de Ouro Fino. Logo, muitas vezes me senti mais caipira do sertão do que ser da então capital federal litorânea. Na verdade, descobri a moda de viola ao chegar a Campinas, há quase 41 anos. Até então os meus 24 anos de vida carioca eram preenchidos de bossa-nova e samba. E de baião, xote e xaxado, das minhas raízes nordestinas.

Mas com as raízes fincadas no interior de São Paulo, aos poucos a moda de viola foi chegando, do jeito dela, quieta, devagar, dedilhada em cordas e sonhos de estrada, vozes e versos, poeira, cidades cheias de gente boa, das casas abertas à vida, de cantigas com suas histórias e contos mil. Afinal, da moda de viola para as brincadeiras de criança no sertão havia pouca diferença. Havia um Brasil interligado na mais tenra e pura realidade, de gente que vive da terra e à terra devolve o amor e frutos que ela nos dá.

Daí, para descobrir Rolando Boldrin foi fácil. Assim como foi tranquilo amar Renato Teixeira, Gedeão da Viola, Roberto Correa, Renato Andrade, Cacique e Pajé, Levi Ramiro, Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho, Paulo Freire, Ivan Vilela, Almir Sater, Paulinho Pedra Azul, Índio Cachoeira e muitos mais e as tantas orquestras de violas. Enfim, um mundão de gente que fica difícil enumerar do tanto. Agora, a ouvir o disco de parceria do Rolando Boldrin com o Renato Teixeira, gravado pela Kuarup, dá vontade de ouvir os outros tantos discos que tenho do Boldrin - de moda de viola, de samba, de causos. Aliás, como ele era bom de causos. Ficar entretido nele tanto no Sr. Brasil da TV Cultura ou no Som Brasil da Globo não era difícil. Eram programas de qualidade musical, poética, cultural e de ouvir histórias que faziam rir, aprender e mostravam como o caipira ou capiau são plenos de poesia e vida.

Mas é isso. Anteontem foi uma quarta-feira digna de ser esquecida. Onde a cultura brasileira e a música ficaram mais tristes, órfãs e perdidas nesse mundão de meu Deus. É tão difícil campear os bons, aqueles que deixam algo para honrar nosso rincão chamado Brasil, que perdê-los assim, de supetão e redundantemente de repente, é difícil de engolir sem esperar que a estrada não termine logo ali. Que a Vaca Estrela e o Boi Fubá os recebam com todos os cordéis de cantadores que São Gonçalo possa reunir no céu desse mundão que pode e tem de existir depois de nós. Afinal, perder gente como Gal e Rolando Boldrin e não poder crer que em algum lugar eles continuem a brilhar e nos trazer poesia e mansidão, luz e paz, alegrias e esperança de que o Brasil tem e ainda pode ter jeito, fica difícil de seguir. Se não for assim, acreditem que a vida realmente é marvada. Mas daí perderíamos a graça de viver. Por mim, sei que Rolando Boldrin e Gal em algum lugar estarão procurando a nossa flor de lis. Daqui, vou na fé que só a ilusão da felicidade nos faz acordar para outro novo dia. Acordarei, creio, ainda um tempo mais...

Zé Geraldo

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