terça-feira, 21 de junho de 2022

No tempo dos Mutantes

Por Edmilson Siqueira 

Poucos jovens no Brasil, na segunda metade dos anos 1960, poderiam imaginar que, ainda naquela década, presenciariam o surgimento de um grupo que poderia competir com o som dos grupos que vinha da Europa e dos Estados Unidos. A revolução musical dos Beatles, Rolling Stones e The Who na Europa e mais Bob Dylan, Mamas and Papas, The Doors e Jimmy Hendrix nos EUA preencheram com sobras a mais exigente imaginação musical jovem e nem tão jovem assim naqueles anos.  


O Brasil também tinha sua "revolução" (não a dos milicos, claro), mas, como sempre, copiando o que vinha de fora, com o rock meio juvenil da Jovem Guarda e o Tropicalismo que era inovador nas posturas estéticas, mas aceitava e invadia todas as tendências. E, claro, não tinha um grupo ou um cantor/compositor que, a exemplo daqueles europeus e norte-americanos, estivesse iniciando um novo modelo musical.  


Foi nesse cenário que surgiram Os Mutantes e, de repente, os jovens que amavam os Beatles, os Rolling Stones, e Caetano e Gil, arregalaram olhos e ouvidos para aqueles dois rapazes e aquela moça - os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista e Rita Lee - cantando em português, mas como se fossem de outro continente. Pronto! Também tínhamos nossos "revolucionários" do rock. 


O primeiro disco dos Mutantes foi lançado em 1968 e estourou nas paradas, mas as músicas compostas pelo grupo não foram as que mais tocaram nas rádios e sim "Panis et Circenses" (Gilberto Gil, Caetano Veloso) e "Minha Menina" (Jorge Ben). A novidade nessas músicas ficava por conta da interpretação, um vocal que contagiava e que trazia um novo som de vozes para cena musical brasileira. 

Um ano depois surge o novo disco que consolida o talento de compositores dos três. É esse segundo disco que ouço aqui em casa quando bate um banzo da minha juventude - em 1969 eu fiz 18 anos - e me lembro daqueles anos loucos, com ditadura militar comendo solta, o AI-5 recém enfiado goela abaixo do país, a censura nos sufocando e nos EUA e Europa os jovens vivendo total liberdade e revoluções nos costumes que marcariam para sempre a vida no planeta.  


O CD que tenho manteve as letras no encarte, o texto de Nelson Motta sobre a publicidade que o grupo fez para a Shell e lançou como uma das músicas e acrescentou um ótimo texto de Fábio Rodrigues que junta informações sobre o disco e conta um pouco da história daquele que foi e, sem dúvida, continua sendo, o mais importante grupo de rock do Brasil. 

Eu posso dizer que todas as músicas deste segundo disco dos Mutantes são ótimas e surpreendentes. A operística "Dom Quixote", a balada "Não Vá Se Perder Por Aí", a enigmática "Dia 36", a divertida e profética "Dois Mil E Um", o comercial da Shell "Algo Mais", a divertida "Banho de Lula", aquela mesma que Celly Campello gravou, a autobiográfica e também divertida "Rita Lee", a gostosa "Mágica", a surrealista "Qualquer Bobagem" provavelmente inspirada em Serge Gainsbourg, autor de "Je T'aime Mois Non Plus" e "Caminhante Noturno", que foi apresentada num festival e depois tocou muito no rádio.  


A maioria das músicas foi composta pelos três, mas há uma parceria importante com Tom Zé, que é “2001”. 


É um disco que, embora seja datado e represente uma tendência, tem muita qualidade musical e interpretativa desse grupo que, infelizmente, durou pouco e acabou se perdendo, como muitos talentos se perderam naqueles anos loucos.  


Dá pra ouvir inteiro no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=XyYAQHCnRu4&list=PL2R1HJ6BBn93Nb5ylNd9Q65fXzWV75sna e também pode ser comprado por aí, nos bons sites do gênero. 

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