sábado, 30 de setembro de 2023

Em Dani Gurgel

 Por Ronaldo Faria


São Paulo escurece quieta. Como toda a cidade em festa, está prestes a estar presta no logo que será um amanhã. Agora já é noite. Ao fundo as luzes reluzem como fossem um brinde para a loucura soturna e noturna que se espraia entre algoritmos e ritmos mil. A cidade, sem idade, na mediunidade local, acorda e dorme em transe. Transita do Centro ao Jabaquara. Pernoita num Minhocão onde o chão empilha seres que não esperam algo além de adormecer, já que vida já não há para viver. Um cachimbo a mais, K9 quiçá, e vamos nos arrastar na bilheteria de um cinema sem fotogramas e que não há. Em coma, qualquer cama servirá.

São Paulo se empilha de luzes e louças a lavar. Pratos quebrados, partos interrompidos, cansativos metros corridos num metrô de série de tevê. Uma bebida a mais, sagaz, fatídica crença de nunca mais. Talvez um nóia a viajar seu mundo profundo no submundo que se traveste em traste de imundo para não irromper o feto que foi criado a gramas e maresias. As futuras crias. Na esquina de gente fina, a finitude germina. Quem sabe um gole a mais, uma golfada na primeira esquina, a quina que deixamos de bater na mesa do lugar. O joelho agradece e a sentença da primogênita enternece de perdão o último e profilático sermão.

São Paulo se dilacera como fera sem jaula. Quem dera pudesse derrear num parque em fé. Na ilusão que ainda resta, na equânime sintonia que existe entre a morte e a vida. Na transversal que decerto existirá na maior cidade deste país, uma ou outra saudade ainda se fará. O beijo que se largou em louvor, o olhar que transmutou servidão, a insana certeza de que nada chegará. No elevador que sobe e desce, se desfaz a cena que antes, talvez, pudesse antever o louvor. Na iniquidade do lumiar, o próximo dia que, sobremaneira, perpetuará a incerteza de num canto, escondido, o corpo atroz, enfim, adormecerá sob um poste que pisca sem saber.


Zé Geraldo

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