segunda-feira, 3 de junho de 2024

Esquina de New Orleans

 Por Ronaldo Faria


Catarina, que serve para a rima poética como a p... da Prússia, era a rainha sem trono no entroncamento das rodovias estadual e nacional. Não havia um caminhão sequer que não parou para seu dileto condutor nela se abastecer e ser. Bela e formosa, voluptuosa, torneada e fogosa, era o objeto abjeto do desejo de mil em cem sonhadores com suas taras e dores. Ela era a dona de calafrios mesmo nos dias mais quentes e tardios, desses em que se esquece que há frio. Na boleia, entre carregamentos de tevês 4K ou carga viva de jumentos, abatia sua presa sem pressa. Era dela a sentença do horário em que seu corpo estava em vias e fatos, todos fátuos. Catarina era a sina, exterminadora de anginas e cismas.
Já fora, anos atrás, convidada para se juntar a uma trupe de mochileiros loucos que ia para Hollywood dar um rolê. Mas, qual, preferiu continuar sua história estoica e etílica de fazer os próximos cheios de cheiro de monóxido felizes. Afinal, o mundo precisa de palhaços e atrizes. Enquanto tivesse a beleza vívida livre de varizes, seria aquela que vale qualquer viagem da ponta do Chuí ao recôndito do Oiapoque. A carga pouco importa. Leva-se de engradado de cerveja quente a porta, galinhas congeladas e reses caladas, beatas calcinadas a mil almofadas, óculos de grau e bolachas mofadas. O importante era ter Catarina no meio da estrada. Houvesse Oscar de desejo, ela seria uma estatueta do querer benfazejo.
Um dia, porém, parou um treminhão desses que paga pedágio triplicado só por colocar na estrada dezenas de metros de lentidão. Dele desceu Honório, que, apesar do nome, nada tinha de simplório. Há muito haviam dito a ele da loucura que era Catarina, melhor que qualquer rebite ou remédio para sinusite. Como um navegador que descobre as Índias achando que era o Brasil, brande seu peito nu cheio de cabelos e cheiros, buzina três vezes e pisca as luzes do farol. No faro da caça que deseja, se despeja no estacionamento da churrascaria fuleira. O PF estava menos de dez reais. Mas ele queria Catarina. Na vitrine de cachorro descansava uma passada e já vencida carolina, que era mera bomba de leite com chocolate.
Mas eis que de repente, nesse rompante que só se abstrai em cada mente, Catarina sai do banheiro. E Honório descobriu que ela não era lenda de motorista que vive semanas na sanha do cinco em um. Com certeza, era a coisa mais cara que pudera pensar em carregar. Nem a carga de maconha prensada escondida sob as toneladas de milho transgênico ou a de papel higiênico de folha quíntupla para diarreia extrema foram tão importantes. Nesse instante, Honório se sentiu como um finado bastardo nas agruras do continente em asfalto já traçado e tracejado. E agora? Como pedir a ela deixar sua função cumprir e fluir sem parecer o imbecil de um falso emir? “Senhorita Catarina, me daria a honra da sua vagina?”
Ela riu com tanto salamaleque e aproveitou para ganhar a semana: “Só se for por mil!” Honório não pensou duas vezes. Sacou o maço de notas que trazia na pochete e esqueceu que milhares de quilômetros e postos de gasolina, ávidos frentistas, o esperavam. “Aqui está. Por você, daria até mais.” Sorte dele era que a carga era de cigarros contrabandeados e quem os fumasse sequer saberia a diferença entre a data de fabricação e falência dos órgãos vitais. Desigual aos tantos outros que habitaram Catarina, teve momentos loucos de prazer e lazer. Depois do tudo feito e refeito, após cinco mil a mais, a pediu em casamento. Este foi o seu tormento, com um não contumaz. Hoje, entorpecido de mágoa e tristeza destrinchada, é o “motorista maluco” das estradas. Leva seu caminhão vazio por caminhos de terras nunca viajadas e buzina tresloucado quando vê um pé de moita calcinado. Na mesma confluência de rodovias, Catarina sorri como estrela de cinema e vive sua sina.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...