quinta-feira, 13 de junho de 2024

Com Arlindo, em busca da luz

 Por Ronaldo Faria

 
-- Capital de onde? Paraguai? Sei lá, nunca fui...
-- Deixa de ser esperto, otário! Tu caiu. Manda logo ver...
-- Juro, não sei que cidade é essa. Pra mim é tudo novidade.
-- Quer dizer que Assunção não te lembra nada, bostão?
E tome telefone com as mãos em concha na orelha, mesmo nessa época em que cada brasileiro tem até dois celulares.
-- Juro, seu doutor, não sei que lugar é esse tal de Assunção.
Com os ouvidos ainda tinindo e dando ocupado, Josualdo jurava de pés quase juntos, porque no pau que arara pia não é fácil deixar de falar, que só havia levado zero em geografia na escola. Mas, depois, concordou e fez questão de completar: “Seu doutor, Assunção na verdade foi uma morena linda que amei e deixei vazar por bobeira que habita nossas entranhas”.
Realmente, há muitos anos, num lugar em que o sol vira terra e território total, ele tinha conhecido alguém. Coisa de amor maluco e coisa e mais e tal. “Mas, doutor, essa coisa de contrabando só se for você ficar babando de amor e paixão.” Segundo Josualdo, para chegar ao lugar onde a morena vivia tinha de pegar trem, correr estrada cheia de barro vermelho, ver galinha e porco subir e descer brejeiros, dormir perto das torres onde meias vestiam o manequim da esquina. “Mas era só coisa de apaixonados e amalucados, nada de tevê 4K ou celular de maçã... Doutor, pode crer em mim.”
O delegado, suado de tanto esforço pra encher o meliante de porrada, quase acreditou. Meditou, jurou que também um dia tinha tido paixão avassaladora com uma tal de Dôra, mas logo voltou aos conformes, mesmo que sejam disformes para a compleição física do acusado. “Olha aqui, malandro, quem ama desse jeito ama mais do que a pipoca e os peitos. E você pode ser tudo, menos aprendiz de poeta que quer ser feliz.” E desce um tapa na cara de Josualdo. Pelo menos ele não vai precisar de cirurgia plástica para rejuvenescimento facial.
Na cela que fica escondida num porão escuro onde nem barata vê o sol nascer ou sumir, a cena era de amor celebrado e tardio e o roubo de dez caminhões que viajavam de norte a sul. Nesse imbróglio, onde a sentença é não ter seguido o coração e mudado para um novo horizonte ou obrigado o motorista a descer e desligar o rastreamento, os personagens (Josualdo e o delegado) estão em campos opostos. Como fossem dois postes interligados de fios para trazer luz e outras coisas mil mais.
“Seu doutor, juro pelo Deus que o padre diz existir e o pai de santo faz baixar que não sei nada de roubo de carga. Só queria ter uma namorada, dessa que a gente bate no peito e diz que acertou na loteria federal.” Josualdo, já quase sem forças depois de ter tanto apanhado, cansado de se arrepender por ter de sofrer nas vazantes da paixão, por fim entregou os pontos: “Seu doutor, mal sei ler, mas assino com o polegar aquilo que o senhor quiser.” O delegado vibrou. Outro caso estava resolvido. Agora era chamar o povo da imprensa falada, escrita, transmitida e televisada. O bandido abriu tudo. “Mas onde está a muamba?” Puto, o delegado manda o investigador Pereira tirar o repórter filho da puta da sala. “O caso está solucionado. Chega de vacilação.”
Na cela, cheio de hematomas, Josualdo lembra que Assunção é bem mais do que lugar...

Zé Geraldo

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