terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Vinicius, o filme necessário

Por Ronaldo Faria

Este artigo era para ter saído no último dia 21, mas a morte de Elza Soares mudou o cronograma. Logo, leiam o ontem do primeiro parágrafo como o dia 20 de janeiro de 2022.

São Sebastião teve ontem (dia 20) o seu dia comemorado na terra onde nasci, que de forma imponente é chamada de a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Hoje vou falar de um DVD (misto de documentário e pocket show) que eu acho uma obra-prima: Vinicius, de 2005. Afinal, quem melhor do que ele, o eterno Poetinha, para mostrar o jeito do carioca. Dirigido por Miguel Faria Jr, foi um sucesso no cinema e traz na interpretação de Camila Morgado e Ricardo Blat a vida e obra do grande poeta, crítico de cinema e autor de teatro, compositor, cantor, cronista, boêmio, amante, ex-diplomata e brasileiro esculachado, no bom sentido, como diria Ferreira Goulart no filme.

No documentário, junto a Goulart, há Antonio Candido, Tônia Carreiro, Edu Lobo, Caetano Veloso, Chico Buarque, as filhas Susana, Luciana, Maria e Georgiana de Moraes, Maria Bethânia, Baden Powell, Gilberto Gil, Francis Hime, Toquinho e Carlos Lyra a discorrerem histórias sobre o poeta e a relação dele com seus eternos amigos (afinal, como é dito, ele amava estar junto e odiava a solidão) e a vida. Já nas vozes de Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Renato Braz, Edu Lobo, Chico Buarque, Francis Hime, Gilberto Gil, Mariana de Moraes, Miúcha, Mart’nália, Mônica Salmaso, Zeca Pagodinho, Gilberto Gil, Toquinho, Sérgio Cassiano e Olívia Byington, além do violão de Yamandu Costa, as músicas de quem contou e expôs como ninguém a alma do carioca e, muito mais, do brasileiro. São dois DVDs. O primeiro traz o filme em si. No segundo há mais cenas, entrevista com o diretor sobre o documentário e sua produção/escolha do repertório e fotos. 

No filme, ambientado como pano de fundo num espetáculo dentro de um pequeno teatro, recortes de Vinicius de Moraes a cantar, em papos caseiros com os filhos, regados a uísque, a recitar seus poemas, galerias de fotos e entrevistas diversas. E filmes de época incluídos – da família, de momentos do País e sua carreira musical e geral. Como Tom Jobim a falar que, no início, depois de Orfeu da Conceição, quando se apresentava e não o reconheciam, resolvia logo a dúvida dizendo que era o Tom do Vinicius.

Ao todo são 122 minutos de pérolas musicais, poéticas e cinematográficas. Como nas cenas onde Camila Morgado declama o Soneto da Fidelidade e o Poema de Separação com os olhos marejados e em lágrimas. Num verde molhado que nem as águas do mar que sempre tiveram parte nos parcos 66 anos de vida do Poetinha neste mundo veriam igual. Ou ele e Tom, já bastante “alegres”, a cantarem e contarem da revolta das mulheres que quebram garrafas de uísque na pia, de forma inócua, porque no dia seguinte eles compravam outras. Ouvi-lo dizer aos filhos Pedro e Susana, num vídeo caseiro incrível, a vontade de ter voltado a ver a mãe de ambos e depois, acariciado em cafuné, deitado, entregue, vê-lo exprimir em voz solene que achava não estar bem de saúde. 

Ouvir vários artistas e amigos a declamarem o maravilhoso poema Pátria Minha, tão em voga nestes tempos sombrios. Ouvir ainda Ferreira Goulart e Chico Buarque a falarem do riso de Vinicius como a coisa melhor que se pode lembrar do Poetinha. Um corpo inteiro a rir e o copo de uísque amparado no pé, sem cair. Na verdade, talvez seja isso que faça verdadeiramente falta ao Brasil de agora: alegria, riso livre, vontade de ver o mundo sob os raios do sol e não nas trevas da obscuridade que pairam em cada canto. Apesar de esse documentário completar 15 anos em 2022, ele permanece solene e pleno, atual e vivo, a contar e cantar, declamar e perpetuar Vinicius de Moraes. A relembrar que é possível se casar nove vezes por amor e viver cada amor enquanto houver chama, numa eternidade plena.

Senão, saber que Vinicius é um ser iluminado no mundo paralelo em que a música e a poesia convergem de forma desbragada e sincera. Alguém, que na última cena do filme, na voz do Chico, a relembrar um papo, foi indagado sobre se havia crença sua na ressureição. Em caso positivo, como o Poetinha gostaria de voltar. Ele não titubeou em dizer que gostaria de retornar igualzinho, só que “com o pau um pouquinho maior”. Saravá, Vininha! Daqui, nós, meros aprendizes, só temos a agradecer.

É possível assistir a esta obra no GloboPlay.

Zé Geraldo

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