quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Maysa

Por Ronaldo Faria

Ano: 1950. Voz: Maysa. Música: O Barquinho. Tempo de reprodução: 2:19.

 Arnaldo caminha na areia de Copacabana. Ao lado carros passam voláteis e rápidos. Na Avenida Atlântica prédios ainda respingam luzes sob a noite quase madrugada. Prostituas e travestis disputam o calçadão. Um ou outro sedento de amor, seja qual for, para ver preço, apreço, presumidos sonhos de um solitário qualquer. Há um ou outro também a correr, passear de mãos dadas, a dar suspiros antes dos respiros prolongados que os corpos em sexo dão e se darão.

Para Arnaldo não há muito o que ver. A amante de sempre já não existe, os imbróglios de se fazer dois já não brilha nem sequer o poste queimado antes do Posto 6. Alhures, haverá uma rua sombria, com seus botecos e bares a envolver urinas madrigais, cheiros de creolina, poesias rasgadas nos guardanapos usados. Mas ele segue sonolento e lento na busca do seu quarto e sala onde deitará o corpo envolto numa manta fina. Afinal a janela ficará aberta e a brisa irá chegar.

Arnaldo sobe no elevador onde grades ainda fecham a porta e abre a porta do apartamento 1020 jogado de frente para outro prédio triste. Ouve tosses mil. “Como é foda morar num edifício lotado de velhos”. Abre a geladeira, sonha que o gelo esteja com os centígrados de uma geleira e pega a cerveja. Senta no sofá rasgado e, de bom grado, toma, sôfrego, um gole que acaba em arroto. Põe um disco na vitrola. Maysa, com seus olhos verdes, canta uma bossa que não é nova.

Para Arnaldo, pouco importa. Há muito o tempo inexiste. Triste, olha pela janela o que parece ser a briga de um cafetão com sua propriedade. Respira o ar que vem com cheiro de mar, olha para o céu e uma lua sobremaneira pungente lhe dá boas vindas. Mais um dia a menos, Outro dia a mais. Ele sabe que pouco lhe resta. Vontade já não há. Menino eterno, põe o corpo, a crer que viver é sonhar.

 Quão bom é crer sem acreditar...

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...