sábado, 1 de abril de 2023

A Tropicália safada

 Por Ronaldo Faria


Na Tropicália o menino ouvia antes e cantava depois músicas para agregados de uma fazenda perdida no Nordeste aonde apenas Luiz Gonzaga (o grande e eterno Lua) chegava devagar. Sem luz, sem energia, ao cheiro de querosene, sem sinergia com o mundo além da vida de gado aboiado, queimadas de pasto, cruzes nas estradas de terra para os anjos, casas de farinha, rinhas de galos livres, carneiros retalhados vivos em gamelas, abelhas africanas a voar, um luar e cheiro de bosta que inebria o lugar. Milho debulhado na mão, carro de boi a seguir para a feira mais próxima, rios cheios e vazios, jegues que transportam vida e morte. Saudades de madrinhas e padrinhos, capucos e sabugos de milho a ganhar nomes, amaldiçoados raios e trovões a cobrirem espelhos e talheres de prata, cavalgadas e quedas que perfazem o que hoje há.

Na Tropicália, o começo da paixão pela música. O acústico ouvir do novo num tempo obscuro e trágico de baionetas e sonetos proibidos e jogados à vida em porões e prisões. A certeza de que a vida se transmuta em orações descabidas, madrugadas tragadas em teclas de uma máquina de escrever, bares na zona sul e subúrbio, medos e métricas que farão o novo homem, o vernáculo de escrever sem quase nada ler, os santos e orixás que surgem e dormem à espera de outra esfera. Místico sei lá do quê que seguirá por décadas na busca, como diz a música, do mistério do planeta. Proxeneta da própria existência ou o apocalipse do pouco tempo na Terra?  Plantio plenipotenciário de algo ou algoz de um nada que nada no oceano seco que transborda num copo a mais que verte de tempos em tempos para provar que tempo não há? 

Possamos, pois, nos tropicalizar para sobrevivermos às janelas do alto e o sangue sobre o chão...

Zé Geraldo

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