quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Renato Braz, um senhor cantor da melhor MPB

Por Edmilson Siqueira

Renato Braz é um cantor. Toca bateria, percussão e violão, mas não compõe. Seu último disco, Canto Guerreiro, começa com uma faixa chamada Levantados do Chão, de Milton Nascimento e Chico Buarque. Da gravação participaram, além de Renato, os autores Chico e Milton. No disco, encontramos ainda as participações de Gilberto Gil, Dori Caymmi, Cristóvão Bastos, Alice Passos, Cezinha Oliveira, Eduardo Gudin, Guinga, Karine Telles, Miúcha, Proveta, Nelson Ayres, o saxofonista norte-americano Paul Winter, o português Roberto Leão e o baixista Rodolfo Stroeter. O que só prova que Renato Braz não é apenas mais um cantor afinado brasileiro e, sim, um dos maiores intérpretes da MBP que o Brasil tem atualmente. 

Eu tenho dois CDs do moço, que nasceu em São Paulo, há 53 anos. Sua biografia nas redes é singela. Diz que cresceu ouvindo música e aos quinze anos começou a se familiarizar com a percussão e logo assumiu o posto de baterista tocando nas noites. Como vocalista e baterista, Renato Braz cresceu cantando em festivais. O artista teve a chance de se apresentar ao lado de grandes nomes da música brasileira como Luiz Melodia, Antônio Nóbrega e Ney Matogrosso, ganhando reconhecimento e público. O resto é uma fieira de grandes discos e prêmios de melhor intérprete. E ele merece. 

Os dois CDs que tenho dele - o primeiro, chamado apenas Renato Braz, de 1997 e o terceiro, Quixote, de 2002 - foram suficientes para que eu percebesse que estava diante de um cantor diferenciado. Sua voz não se encaixa em padrões comuns, pois carrega um sentimento que se sobrepõe ao canto, afinadíssimo por sinal, e traz em seu bojo aquela calmaria que enleva e aquela força que permanece nos ouvidos muito tempo depois de terminada a audição. 

No primeiro disco, a surpresa - muito agradável - acontece logo na primeira faixa, Porto, de Dori Caymmi. Música sem letra, apenas com o vocal de Renato acompanhado de ninguém menos que Monica Salmaso, uma cantora que transforma em diamantes os minérios que garimpa e grava da nossa MPB.  

As surpresas - para um primeiro disco - continuam nas faixas seguintes, pois logo a seguir aparece um standard da música norte-americana, Smile (Charlie Chaplin, Geoffrey Parsons e John Turner), que virou Sorri, na famosa versão de João de Barro. A intepretação de Renato para a letra brasileira está entre as definitivas dessa música, acompanhado pelo seu violão, sempre muito bem tocado, mais o acordeom de Toninho Ferragutti e o contrabaixo de Sizão Machado.   

As faixas seguintes nos obrigam a parar de fazer o que estivermos fazendo para nos entregarmos ao prazer de ouvir um grande cantor. É assim com Anabela (Paulo Cesar Pinheiro e Mário Gil), como samba Meu Drama, também conhecida como Senhora Tentação (Silas de Oliveira e Joaquim Harindo) e com a perfeita Onde Está Você (de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini), eternizada na voz de Alaíde Costa.  

Passarinheiro (Jean Garfunkel e Pratinha), Cantiga do Sapo (Jackson do Pandeiro e Pratinha), Pagão (Chico César), Bambayuque (Zeca Baleiro), Assum Preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), Retirantes (Dorival Caymmi), 7x7 (Guinga e Aldyr Blanc e Estrela da Terra (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro) completam  o disco e provam a excelência e variedade do repertório que Renato selecionou. Não há nenhuma música que não lhe traga aquele prazer de ouvir, tanto pelas interpretações quanto pelo refinado acompanhamento.  

O outro CD, Quixote, traz um Renato Braz melhor ainda. A presença constante de Dori Caymmi, tanto com suas canções como participando das gravações, mostra que Renato atrai sempre boa companhia. A faixa de abertura, de Dori e Paulo César Pinheiro é uma espécie de oração que se desenvolve por deliciosa melodia, tão prenhe de mineirices que muita gente pensa tratar-se de obra de Milton Nascimento. Ele assinaria, com certeza.  

Canteiro de Obra (Wilson Moreira e Sergio Fonseca) aproveita uma cantiga de roda para contar a realidade dos retirantes na cidade grande. O disco prossegue espalhando excelências musicais como Comunhão (Mario Gil), O Velho Francisco (Chico Buarque), Saudade Mata a Gente (João de Barro e Antonio de Almeida), Disparada (Theo de Barros e Geraldo Vandré), Tristeza do Jeca (Angelino de Oliveira) e Amiga (Edson Ribeiro e Cleonice). São músicas em que cada intepretação revela novas nuances de músicas já conhecidas que se tornam ainda mais atraentes ainda na voz de Renato.  

Uma espécie de segunda parte do CD se abre com Vida da Semana, uma autêntica moda de viola de Riachão que tem a participação vocal de Chico César. O samba-enredo de Mario Duarte e Paulo César Pinheiro - O Canto das Três Raças - que não ganhou o concurso da Portela, mas fez enorme sucesso na voz de Clara Nunes, ganha interpretação coerente de Renato Braz.  

E as ótimas interpretações prosseguem com Canção para Ninar um Neguim (Zeca Baleiro), Onde Está Você (Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini) que aqui ganha, quase como uma homenagem, a participação especialíssima de Alaíde Costa, num emocionante encontro, Todo Menino é um Rei, o gostoso samba de Nelson Rufino e Zé Luiz, encerrando com Não Vim para Ficar, de Wilson Dia e Paulo César Pinheiro.  

Toda a discografia desse grande cantor está disponível nas boas lojas virtuais do ramo e há muitas músicas dele disponíveis no Youtube, algumas inclusive mostrando trechos de shows ao vivo.  Tudo muito bom e que merece ser ouvido. 

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...