sábado, 27 de janeiro de 2024

Com Gonzaguinha no ouvido

Por Ronaldo Faria


Visionário e atávico, homicida de si mesmo e crente de uma religião que não há, Juarez segue entre a avidez e a tez da amada, aquela procrastinada em não ser. Cavaleiro solitário, à espera do erário inexistente, desses que o avarento arranca junto com o dedo do lazarento, segue a perder a visão, o chão, o futuro, de antemão. No saber destemperado e desagregado que dá a candura, submerge em si e emerge em cada letra, sílaba e frase desconexa que se ligam entre brancos de papel ou tela atrelados em alguma sinergia que não há. Nas ruas, milhares de seres que se dizem nação gritam num berro que ninguém ouve. Talvez um bêbado enlouquecido de sua sórdida melancolia aflita e fugidia, um saudoso pai a beijar sua filha morta em cinzas, um poeta que profetiza a imaginária realidade que não há nessa vida. Entre recônditos de cada um de nós, entre nós que ninguém desata, no emaranhado de liberdades que estão presas em caminhadas sem pressa, o cidadão segue nas ruas e esquinas, reentrâncias do senão.

Penitente e ausente de si mesmo, num frágil invólucro que cobre a cada um de nós, louco desde nascença, exacerbado e cabisbaixo, no esmeril da sobrevivência diária, Juarez, sem julgar nem a si, segue passo a passo os dias que faltam. No asco da dívida que a dúvida traz, permeia a lucidez de um profeta e a ignorância de um asceta. Pernicioso e cioso da saudade de um dia ter sido feliz, sabe que agora não vale nem o quilo pesado de uma perdiz. Mas vai. Vai entre goles e golfadas, malversas colheitas do nada, perfídias de um coração que tão maltratado não sabe diferenciar axé de fado. No sonho bisonho interrompido na madrugada, essa coisa tragada da vida, a certeza de que o amanhã será de ignóbil perfídia. No poste, um cachorro urina feliz com a pata levantada. A olhar sem enxergar direito, com uma catarata que consome seu olhar, Juarez apenas diz: “Feliz do cão que cumpre seu ritual sem se preocupar com aquilo que a Dona Joana amanhã irá dizer da poça que defronte da sua porta se fez”.



Zé Geraldo

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