sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Slow Motion

 Por Ronaldo Faria


“A igreja de pedras, benfazeja, bendiz quem é puritana ou meretriz?”, se questionou Tâmara travestida de beata. Na exata hora que saía a procissão, a cisão entre o entrevero e o esmero que surgiu horas antes, por causa de um reles diamante. “Afinal, quem te deu?” – perguntava incisivo o delegado gordo e careca que, sentado atrás da mesa ensebada, se dizia autoridade da festa. Na testa, restos do frango que comeu. Na boca, pedaços devassos de uma vida sem graça. Para ele, tanto fez, fazia ou fará o amanhã. Fosse um dos três mosqueteiros da literatura, nunca seria D'artagnan. Quem sabe um bufão. Senão, um pé de página de ermitão, desses que ninguém sabe, nunca viu ou verá. Mas, lá estava ele, alienado de tudo a perguntar. Tâmara, em sua tragédia que a comédia abarcaria sem pestanejar, não quer sequer rir. Para ela, a vida é apenas um chegar sem saber onde irá chegar. Na fé, certamente haverá algum lugar. No olhar daquele que na cena não está, talvez no colarinho que sobe há somente uma brisa de se viver. Quiçá, um rolê. “Daqui, no turbo freezer ligado para vencer o calor que se esparrama no horror, vou passando vontade daquilo.” Tâmara, tresloucada na sua loucura famélica, famigerada até o sol nascer, crê que os próximos capítulos irão capitular em sonoras Babilônias que se fuma do bom na sala de estar. No Baixo Leblon, a alternância de uma noite em noir francês e algo que só saberá quem falar inglês. No mundo que se espraia na praia, dois corpos prostrados ao amor maior se embrenham no briefing de nada escrever. “Não posso esquecer de que a vida é um mero transcender. Na próxima hora, talvez nem respire ou inspire na inspiração que a transição performática nos dá.” Para Tâmara, a pisar os pés na areia fofa que fosca lua deixa esgueirar, talvez algum passo vire prosopopeia em cafeína pura. Senão, quem sabe uma droga pesada no café esturricado da manhã. Todavia, entretanto e porém, nunca saberemos o que a vida nos trará. Em algum lugar da terra, um trator amassa o que alguém, há tempos, construiu para ser para sempre. 

(Com Rashid a rodar)


Zé Geraldo

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