quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Lunário Perpétuo

 Por Ronaldo Faria

“Diz-se que no Lunário Perpétuo, que correu por décadas o Nordeste do passado, se oferecia conselhos e orientações sobre os mais variados aspectos da vida, incluindo tabelas das fases da lua, dos eclipses do sol e festas móveis, previsões do tempo, horóscopo, elementos do Direito, navegação, Teologia, saúde, agricultura, dicas culinárias, feitiços, maneiras de interpretar o comportamento dos animais, biografias de santos e papas, e outros muitos dados de interesse geral. Era como que uma enciclopédia popular.”

Vai senhor dos horizontes tardios, num caminho pelas terras que secaram de tanto sol e chuvas que nunca chegaram. Segue nesta estrada que há muito não vê formosura. Trilha rios que mostram a terra onde antes água havia, olha no fundo do poço o esqueleto da jia. Seu coaxar não ouvirás. Talvez um barulho que fluirá entre os pequenos ossos nas noites que o vento pouca paz trará. Talvez, ainda quem sabe, irás enxergar uma nau catarineta no horizonte à imensidão da solidão singrar. Ávido de marés e fés, grumete ou pivete desandará a buscar um carrossel do destino.

Mas segue senhor das brincadeiras tardias e vadias na curva turva que termina onde começa o mar. Vai de espada em punho a enfrentar os monstros da madrugada. Aprenderás, se o Lunário Perpétuo ler, magias mil para todo o mal poder vencer. Senão, saberás quão difícil é ter a amada deitada em seu castelo de areia no meio da montanha altaneira. Mas não desiste. Resiste em riste. Se cicatrizes descobrir no rosto, faça-se louco e torto. A esse o inimigo poupa por sabê-lo morto e roto. Mas, depois, quando te pensarem enterrado, foge das cova no desterro de um sonho calado.

Assim, não desiste senhor dos luares que de tão cheios se esparramam no sombreado da mangueira que dorme entre sabores e cheiros. Descobre na enciclopédia popular que podes ser fidalgo ou jagunço. Virgem senhora ou entregue Marília de um Dirceu que não há. Se ler com calma o Lunário, verá que a família toda está lá. Se não houver, erro na caligrafia haverá. E segue sob o sol intermitente que queima a cabeça da gente. Viaja no tempo se como montasse uma nuvem ao vento. Descobre chuvas, tormentas, trovoadas e unguentos. Para toda lágrima sempre terá um lenço.

Logo, nobre senhor, dono da própria alegria e sublime torpor, vai a seguir entre curvas turvas que terminam Deus sabe no que se fará. Certamente, nas páginas do livreto, descobrirás que podes ter o poder de tudo saber e mudar. Ao longe, no mais longínquo pairar, algo mais do que uma cova rasa irá te esperar. Dono de tanto conhecer em tantas lições de ser, não passarás pelo purgatório, notório espaço de o limbo lamber. Lunário Perpétuo nas mãos, creia, entrarás por um portal que em alguma página estará descrito como ilusão. Ao destino, um cancioneiro de eterno menino.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...