sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Zeza, Alfredinho e Celinha: o trio perfeito

Por Ronaldo Faria

Falei do canário Dércio Marques no meu último texto. Ele era, ou ainda é, parceiro de cantoria e saudades do Zeza Amaral. Logo, vou falar agora de um disco ao vivo do Zeza junto com Alfredo Soares e Celinha. É o Olho de Prata. Este eu tenho físico, original, em CD. Mas amo do Zeza o Clareia também (e como amo), só que este era em vinil e só obtive em MP3. Eu conheço o Zeza Amaral desde 1982, no Diário do Povo, o centenário e assassinado jornal onde comecei a minha vida jornalística em Campinas. Eu e ele fazíamos a revisão dos textos do Wanderley Doná, repórter policial que era referência na cidade naqueles idos, e eu acabava sendo o interino do Zeza quando ele não podia escrever sua coluna diária no jornal (para tristeza dos leitores). Já o Alfredo (Alfredinho) Soares, conheci da noite e das mesas de botecos, entre eles o Água Furtada, no Cambuí, que depois virou padaria e até hoje é um imóvel tombado e vazio. E, claro, no Alfredo’s, bar que era referência musical na noite/madrugada local. Com Celinha não tive contato íntimo, mas a reverencio pela voz que lembra Bethânia. E que é dela, Celinha. Incrível. 

O show Olho de Prata foi em 1979. Dele, Zeza fala na sua entrevista ao Cantares e Esquinas (https://ronaldofaria57.blogspot.com/2021/05/amaral-acreditem-internautas-do-planeta.html). “Foi dentro do Bate Papo (restaurante no Cambuí, na Rua Irmãos Bierrembach, defronte ao Largo Santa Cruz), que resolvemos (ele, Alfredinho Soares e Celinha) fazer o show chamado Olho de Prata. O nome do show quem deu foi o J. Toledo (https://pt.wikipedia.org/wiki/J._Toledo). Ele foi nosso diretor artístico e cenógrafo, junto com o Geraldo Jürgensen. Nós ensaiamos quase quatro meses direto e estreamos lá no Teatro do Centro de Convivência. Fizemos três apresentações com casa cheia. Depois, o diretor do teatro, que na época era o Carlos Braggio, nos deu mais uma semana e enchemos de novo. Mas eu não sei por que, se foi por preguiça, nós não demos continuidade ao show em outras cidades.” 

Deste “triângulo amoroso perfeito”, como Zeza diz no disco, surgiu um show incrível. Uma mistura de samba, MPB e chorinho. Pena que este espetáculo tenha durado apenas poucas apresentações. No CD, as apresentações são do J. Toledo (dele ninguém melhor do que Edmilson Siqueira, meu parceiro neste blog, para falar sobre), que conheci na noite, inclusive numa disputa por uísque com Hilda Hilst no Alfredo’s. Tive ainda o prazer de um dia conhecer, a convite, a sua casa em Sousas para tomar umas; e também de Antônio Contente, jornalista, poeta, cronista e ídolo que foi o dono da orelha de meu primeiro livro – o C(s)em Contos. Logo, deixarei para eles falarem deste disco. Perto deles, quem sou eu...

De minha parte, assino embaixo (na minha humilde pequenez) o que estes dois seres iluminados escrevinharam e curto poder ouvir esse show incrível que rolou nessas plagas das campinas musicais. Um ouvir, porém, que por erro de prensagem me toma de assalto três das 14 músicas. Elas não rodam em nenhum aparelho ou programa. Mas, a quem reclamar o CD problemático? Não há. E até pouco importa. Que assim o seja, pois a vida pune aqueles que não viveram o fato. E eu, na época do show, ainda vivia no Rio de Janeiro. E segundo o Edmilson Siqueira, nunca houve um CD ou um LP do show: "Rolou uma cópia de fita K7 que foi reproduzida por aí. A minha fita eu transformei em CD no Osny".

Ao menos ouvi e ouço parte quase integral de um espetáculo memorável. Infelizmente não é possível encontrar este disco nas viagens do mundo virtual. Como tudo de bom, se esvai ao tempo do mundo. Mas, creio plenamente, que os olhos de prata que dele surgiram nas cenas cultural e musical, continuam a brilhar entre o escuro da madrugada que cheira a vida, os versos que rompem as emoções e a entrega que irrompe entre três vozes que Campinas entregou para o mundo. Logo, Saravá. Na energia do tempo, Olho de Prata têm cor de ouro, de brisa, de história e vida que sublima tempo e espaço.

Ps.: Terminei este texto ouvindo Rosália de Souza no Amazon Music com o CD D’improviso. Sei que não tem muito a ver com o texto acima. Ou tem. Afinal, a escuridão, a noite e a madrugada trazem lembranças que vem e vão sabe-se lá para onde, em mililitros de um álcool libertário, das efemérides tão parcas e inesquecíveis no tempo do universo que cada um de nós tem em si. Uma dica: neste disco Bossa 50 é uma música incrível. Aliás, todas são. Na fila de reprodução dessa artista (seu álbum principal e que rola também no Amazon Music é Garota Moderna), tudo é incrível. Definitivamente, a MPB é um poço de maravilhas. Logo, que os deuses salvem este ano, em outubro, das trevas que habitam a cultura nacional. A luz da beleza há de voltar a brilhar.

Zé Geraldo

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