quarta-feira, 8 de novembro de 2023

O violão da mulher em corpo de...

 Por Ronaldo Faria

 Que notas sairão do violão? Onde o pinho e o corpo nu da mulher se unirão para tocar os acordes que acordarão o mais insone dos homens? Em que dedos e solfejos transbordarão de prazer ou ilusão a maior das solidões?


O sorriso perdido de Isabel faz o mais rígido bedel esquecer que há ordens a dar. Disciplina? Quem de forma real e lógica a saberá agora criar? Na cabeça de Adamastor, velho e senhor, desses que os cabelos já deixaram a cabeça a queimar e os dentes esqueceram de ficar, era apenas ela, Isabel, que poderia ser a mais assassina abelha que tudo faz, menos mel.
-- Mas como você foi se apaixonar por ela, homem?
-- Não sei. Aconteceu. Nem eu queria, mas meu coração entrou em orgia. Tardia, a paixão desabrochou. E tudo queimou como gasolina.
-- Agora você está aqui, debruçado nessa mesa suja de bar, a babar. É, meu amigo, a coisa está feia. Ô Manoel, traz mais uma do barril e outra pra molhar!
-- Vos levarei, mas mesa suja tem a destratada da sua mãe!  - responde do balcão o português.
A verdade é que o sorriso de Isabel, sua pequena silhueta, tudo aquilo que ela mostra e esconde, fizeram Adamastor admoestar a si próprio. Impróprio no inglório trato de ser sóbrio, onde a sobriedade há muito rompeu com a idade, ele apenas, como transeunte de uma rua vazia, dessas que só as madrugadas mais frias fazem surgir, era um ébrio sem par ou lugar. No urgir de um sol que não chega, se aconchega nas lembranças que a destemperança traz. É só mais um a mais a chorar. Isabel lhe roubara a razão. Hoje, Adamastor nada mais queria ser do que apenas um silencioso violão...
-- Ô Manoel, desculpa por ter falado da sujeira. Traz mais outras. E, se puder, um pano de prato pra limpar o que eu disse sem querer falar!
Do bar, um palavrão lusitano destoa de tanto recordar. No alto, alteia um imenso luar lunar.


Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...