sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Histórias de uma música

Por Edmilson Siqueira 


Ao invés de comentar um disco, vou contar duas histórias de uma mesma música, que se completam.  


Foi num programa chamado Starling Cast no YouTube que eu ouvi a história que se segue, contada por um de seus personagens.  Quem contou foi ninguém menos que Roberto Menescal e os outros personagens são "apenas" Elis Regina, Francis Hime e Chico Buarque de Holanda. A música que enreda essas quatro é a fantástica "Atrás da Porta". 


Aliás, antes da história do Menesca (apelido mais ou menos universal do grande compositor), há uma outra, sobre a mesma música, contada por Olívia Hime, mulher do autor da música. Diz ela que, depois de um almoço em sua casa, “os homens (Chico e Francis) foram para o piano para Francis mostrar uma melodia que tinha feito. A intenção, claro, era que Chico botasse a letra.”  


"Os dois tinham bebido bastante vinho no almoço e estavam meio de pileque", conta ela". "Francis tocou a música e Chico começou a escrever a letra. Ele estava em pé ao lado do Francis e quando chegou naquela parte que diz 'e me arrastei e te arranhei e me agarrei nos teus cabelos..." o Chico ia agarrando o Francis, desmanchando o cabelo dele e ambos morrendo de rir. Riram tanto que a letra parou ali, ficou faltando a segunda parte que Chico disse que depois faria". 

A segunda parte dessa história é a que foi contada pelo Menesca no Starling Cast. Diz ele: "Depois de um bom papo com Elis Regina, ficou decidido que eu iria produzir o novo disco dela. Músicas? Ela me disse: 'Quero duas do Jobim, duas do Milton, duas do Caetano, duas do Gil e duas do Chico, todas inéditas'. Eu perguntei: 'Você já tem as músicas?'  


Ao ouvir um "não" como resposta, Menescal lhe disse que seria muito difícil músicas inéditas desses compositores, pois eles estavam carregados de encomendas. Elis duvidou, tentou, ligou para todos eles e ninguém tinha música nova pra ela. Menescal então disse: "Deixa que eu arranjo".  Como produtor da gravadora, ele recebia umas dez fitas cassetes por semana, de novos compositores. Durante um mês ele selecionou o que achou melhor e foi levar pra Elis. Ela gostou de tudo que ouviu, principalmente uma tal de “Bala com Bala” de João Bosco e Aldir Blanc. 


A última fita era do Francis e ela não gostou de nenhuma. Só que começaram a conversar e não desligaram o gravador. A fita continuou rodando e, depois de alguns minutos, começaram a ouvir o Francis cantando: "Quando olhaste bem nos olhos meus, e o teu olhar era de adeus..." Os dois ficaram extasiados com a música, cuja segunda parte era só um lálárilálá, sem letra. Menescal ligou pro Francis que disse que a música estava com o Chico há uns dois anos pra ele terminar a letra. Ele foi então atrás do Chico. Chegou lá ligou o gravador com o Francis cantando. Chico reconheceu: "Essa é do Francis e minha".  


Ao ouvir Elis cantando, sem a segunda parte, Chico rasgou um embrulho de pão que estava por perto (ambos estavam na cozinha, pois o gravador estava sobre a geladeira, segundo Menescal), e começou a rabiscar ali mesmo o resto da letra ('Dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar teu nome, te humilhar...") que ficou pronta em menos de um minuto.


No dia seguinte, Elis completou a gravação, que foi muito difícil, segundo Menescal, porque Elis, toda vez que ia cantar, começava a chorar, emocionada. Mas conseguiram. E o Brasil ganhou uma música sensacional e uma das melhores interpretações da melhor cantora que já apareceu nesse país.  


A entrevista com Roberto Menescal (com mais detalhes) no Starling Cast está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=YPTHoKxT7DM&t=318s 


Já a magistral interpretação de Elis para a música de Francis e Chico, está aqui, no programa Ensaio da TV Cultura: https://www.youtube.com/watch?v=02VJ-Y1IXzI 

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...