terça-feira, 31 de maio de 2022

Ao som da viola

 Por Ronaldo Faria


Agora é a vez do sertanejo, ao legado de Elpídio dos Santos. E me remeto e me arremesso para o frio do passado, para o ventre tijucano, quando ainda havia o arcanjo a me escolher entre tantos anjos para viver. Mal sabia ele que, no futuro, me daria angina, um tanto de rima e um pouco de sina. Ensimesmado, ele deve agora olhar para baixo e dizer: “Que falta de tempo, que erro sem alento”. De volta, olho para ele e retruco, mesmo sem saber truco jogar. "Se já estou aqui, vou tentar descobrir até onde vai meu porvir. Meu ir sem ir. Meu rir sem rir. Minha cama vazia a pedir o corpo teu."

Agora é o momento das estradas vagas, dos amores em voga, do juiz que me espera no último dia, de toga. Torço para ser meu próprio advogado e dizer diante do tribunal lotado: “Amei, amei apenas. Por isso, de mim, pecador, tenham pena. Porque quis, somente, amar a vida, minha única estrada sem trilha, moda sem viola, ode sem plano”. E de lá irei para onde for, mesmo que seja for entre tridentes e dor. Nada será melhor do que o simples final. O corpo jogado aos vermes, sem versos, sem versículos sequer para poder orar. Sem nada ver ou olhar. Sem o cheiro da mulher depois de domá-la como o mar.

Agora é chegada a hora da plateia sem aplausos, dos causos entornados em copos doidivanas entre mesas de bar. Seja diante do sol que escalda ou do frio que jorra ao luar. Que sai da viola que enrosca entre dedos e zelos. Que volta em volteios e desmazelos. E busca, a partir da veia mínima, o coração que mumifica mesmo molhado do último chorar, do incrédulo olhar. Da canoa que acha, sonhadora, que pelo rio chegará até o mar. Porque tudo é embriaguez de letras e sílabas, estrofes e vozes, notas e odes. Odaliscas, quiçá, a dançarem com os seus véus sobre o corpo desnudo de um simples bedel.

II

Dedilha, violeiro. Põe os dedos a girar, revirar e voltar. Arranca versos do cantador e transforma em alegria a maior dor. Volteia de cabresto em riste para buscar a última rês que corre pelo pasto como fosse ele um mundão desses que nem o último suspiro - vasto. Assim, na réstia do que ainda tiver de ser, seja o maestro de som presto, como é o do corpo doente a definitiva peste.

 Ao som de Suzana Salles, Ivan Vilela e Lenine Santos

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...