sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Ao Dominguinhos

 Por Ronaldo Faria


Que baita sol que socorre à sombra e a faz mais forte do que o corpo que sua no batente, latente a cada gota que desce sob as roupas e vira um forró só. Que sol forte que se espalha e se espelha no asfalto, mesmo sem tomar fortificante desses que a mãe enterra goela adentro do filho que chora sem dó, com gosto de peixe insosso.
 
Seu nome era José. Desses que anda na terra de barro danado, daquele pó que vira parte do corpo e agarra no pé. Desses que ama, teima e desama, anda, desanda e desmama, carrega a caçamba que vomita a água tirada de um poço quente que se mistura ao resto do fio de esperança e faz a pajelança esperar a chuva que se esqueceu de chegar.

O nome do amor de José era Maria – prometida por um Deus sem fé, num lugar qualquer, de um tempo que ninguém até hoje sabe se foi desandar. Que descia da roça toda faceira e brejeira, com seu vestido de chita a ventarolar no fiapo de brisa que curtia seu passar entre os galhos que tinham sobrado no imbuzeiro que dormia quieto no seu próprio teto de luto e restar.

E ambos – José e Maria ou Maria e José – se misturavam ao tempo, assexuado e sem saber se ia ou parava a cada andada dos dois. Aqueciam-se na água nenhuma que vertia do rio seco e se aninhavam no ninho de coruja vazio de piar a cada chuva maior. Eram e faziam, jaziam entre covas pequenas de anjos nunca feitos ou nasciam a cada cantar da ave que viajava de galho em galho para chegar a qualquer lugar.

Amavam-se entre notas e versos, vozes e terços, rios secos, crianças secas, esteira de palha deitada na terra fria, na franzina menina que parece colheita perdida, desviada do seu mundo sem saber porque. E quanta saudade ardida e tardia. Quanta pimenta misturada à farinha criada no tacho da casa onde viviam todos sujos de branco de se comer e a esperar a secura acabar. Ou, porque não, a vida revirar.

Seu nome era José. O nome dela era Maria. Iguaizinhos no desigual que nem o carcará que voou e sobrevoou a rês a morrer sob o mugir da vaca sabe que não terá mais cria ou colher. Homem e mulher a recriarem filhos feito um velho banguela que a comida perde a ver cair cada grão entre os dentes inexistentes à fonte que pinga, respinga e dói.

Desses que sabem que o sol inclemente e ardido que brilha entre nuvem nenhuma, na brita da estradinha cheia de erva daninha, nenhum dia irá baixar. Por isso, a vida, ávida, debaixo do lençol encardido e malpassado, quieto no avesso do verso. Amplexo. No fundo do coração a gritar feito a barriga que ronca zabumba e o triângulo a misturar sons e finitude, em qualquer latitude feita de um quadrado imperfeito. Àquele que chama a paixão se estende a mão e dorme o corpo na derradeira mansidão. No tanto de calor imperfeito, faz-se, mais uma vez, outro tanto de solidão.
 
Dedicado ao mestre Dominguinhos, sua voz e sua sanfona eternas e ternas.

Zé Geraldo

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