quinta-feira, 3 de março de 2022

Noel Rosa e Ivan Lins: um encontro inesquecível (1)

Por Edmilson Siqueira 

VIVANOEL. Com esse título, Ivan Lins gravou nada menos que dois CDs só com músicas do poeta da Vila. E ainda tiveram a sacada de aproveitar o nome para destacar o IVAN que aparece ali no meio.  

Mas, sacadas gráficas à parte, os dois discos são excelentes. Claro que a obra de Noel Rosa ajuda e muito, mas aqui ela foi tratada não só com o respeito que merece, mas também com o máximo possível de qualidade.   

Foram três meses de gravações - fevereiro, março e abril - de 1997 e o resultado não poderia ser melhor. Tão bom que, pra cada disco escreverei um artigo que serão publicados em dois dias. 

Ivan, inteligentemente, não tomou o trabalho de homenagear um dos maiores compositores brasileiros (que morreu com 26 anos!) sozinho. Além de um time de instrumentistas de primeira grandeza, convidou cantores, sambistas e outros artistas para cantar Noel.  

Aliás, cabe aqui um detalhe que consta do encarte do primeiro disco, escrito por João Máximo, autor, junto com Carlos Didier, de Noel Rosa, Uma Biografia. É que Ivan Lins é um dos mais consagrados compositores brasileiros. Sua fama nos EUA, por exemplo, é talvez até maior que no Brasil. E é sobre essa fama que escreve João Máximo logo no começo de seu artigo: "Peço licença pra falar de duas experiências pessoais e musicais que vivi em Nova York, uma em 1987, no clube noturno Blue Note, e outra em 1997, no camarim de Zizi Possi, no Avery Fischer Hall, um dos teatros do Lincoln Center. Na primeira, depois de cantar soberbamente uma canção que eu não conhecia, a grande Carmen McRae dirigiu-se ao público e desabafou: 'É uma pena que já não se façam muitas canções como esta. Seu autor é um jovem brasileiro: Ivan Lins.' Na segunda experiência, depois de me apresentar a Blosson Daire -  Blosson Daire que, para muitos de nós, curtidores de jazz e da melhor canção americana, não é uma intérprete, mas a intérprete - ouvi dela o seguinte: 'Vou gravar em meu próximo disco meia dúzia de canções do maior compositor brasileiro desde Tom Jobim: Ivan Lins."  

O primeiro disco começa com um partido alto que Noel Rosa e Marília Batista improvisavam sobre versos de João Mina no Programa Casé, pioneiro no rádio, apresentado na Rádio Philips do Rio de Janeiro entre os anos 1930 e 1940. E para cantar e versejar De Babado, Ivan Lins convidou ninguém menos que Zeca Pagodinho, Nelson Sargento e Nei Lopes. 

Depois dessa introdução de gala, o disco prossegue na mesma batida: Gago Apaixonado extremamente fiel ao original gravado pelo próprio Noel, tem participação especial do grupo Nó Em Pingo D'Água. 

As Pastorinhas (parceria de Noel com João de Barro), uma das mais belas marchas-rancho do Brasil, tem arranjo de cordas Jacques Morelenbaum sobre um arranjo de base do próprio Ivan Lins.  

A música seguinte é daquelas joias de Noel que poucos conhecem: Cansei de Pedir e, para apresentá-la, Ivan Lins trouxe Chico Buarque de Holanda para lhe fazer companhia, além do Nó Em Pingo D'Água. A música foi feita por Noel nos anos de 1930, mas poderia ser um samba deste século, tal a atemporalidade da obra do Poeta da Vila.    

Outro excelente samba de Noel, em parceria com Vadico, chamado Provei, foi escrito originalmente para o Carnaval, mas é um samba triste e assim ele é apresentado por Ivan Lins e Claudio Lins.  

Voltando aos clássicos de Noel, em outra parceria com Vadico, aliás, a primeira entre eles, Ivan Lins canta Feitio de Oração, uma incrível letra de Noel sobre o samba de Vadico. 

A crítica social de Noel se evidencia em Onde Está a Honestidade? Diz a história que o samba foi feito contra poderosos desonestos que perseguiam seu honesto pai, funcionário da Prefeitura do Rio.  

Outro samba desconhecido, Vai Haver Barulho no Chatô, parceria com Walfrido Silva, tem história curiosa. A primeira parte já estava pronta e Walfrido, exímio baterista, acordou Noel em sua casa para fazer o resto. Diz a lenda que Noel escreveu meio acordado, meio dormindo. E claro, saiu um ótimo samba.  

Em 1932, Noel já cantava essa música (uma obra-prima, diga-se) num clube do Riachuelo. Foi ali que que a cantora Marília Batista o conheceu. E só veio a gravar Verdade Duvidosa em 1963. Para o disco, Ivan Lins divide os vocais com Leila Pinheiro. Precisa dizer mais? 

Para Me Livrar do Mal, a faixa seguinte, é uma parceria de Noel com Ismael Silva e Francisco Alves. Esse último talvez só tenha dado o nome para gravar o samba. Mas o importante é que essa música a primeira de Noel e Ismael. Outras dezessete se seguiriam, na mais profícua parceria de Noel.  

Nessa mesma toada de prazer e qualidade, o disco prossegue com o clássico Fita Amarela, com Cor de Cinza, onde o poeta Paulo Mendes Campos viu "o mais belo e hermético poema impressionista do nosso cancioneiro popular", com Vejo Amanhecer, Mulher Indigesta, Pela Décima Vez, o famosíssimo Conversa de Botequim, Adeus, e, por fim, Seja Breve. 

Enfim, trata-se de um disco que não só recupera grandes - e muitas vezes esquecidas - obras de Noel, como nos dá o prazer de ouvir um trabalho muito bem feito com grandes artistas brasileiros. Imperdível.   

Os dois CDs estão disponíveis para audição no YouTube: https://www.youtube.com/results?search_query=Via+Noel+Ivan+Lins 

Zé Geraldo

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