quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Sob a batuta do mestre maior - Aldir Blanc

 Por Ronaldo Faria

Todos os dias agora eu fico como se estivesse numa ágora, a contar pedra sobre pedra das ruas paralelas, todas com vista para ela: a mulher desnuda e embriagada de vida, com a voz embargada ao insólito e o herege. Por isso, sento diante do espelho de letras que piscam em luminosos caracteres e me jogo ao acaso do ocaso. De cúmplice, a planta me olha do seu vaso. Desfaço-me de atos e travestidos fatos. Sou. E isso, por pouco que seja, para quem não muito enseja, basta. As Tordesilhas me chegam como cafuzas mulheres, confusas e tardias, tensas e tísicas, teatrais e místicas. Chegam como se nada fossem. Um pouco de conhaque, um gole de pinga, uma ou outra dose na eterna tosse.

Todos os dias, tardios em trejeitos e feitos onde um mínimo herói é mais que satisfeito, me jogo às esquinas que desabrocham vertigens e curvas desconhecidas. Talvez um pouco de glicemia e outro tanto acima, talvez apenas a névoa que encobre os poetas nas manhãs claras de um sol descabido. Sol que queima os olhos de quem vive na penumbra, à busca da inexistente tez. Coisa de pesadelo e desmazelo, ensimesmados, ambos, de inebriantes desejos. Coisa de gestos parados no espaço, segurando copos às cópulas que se vestem de coxas e pernas diante da mesa de um bar que caminham para longe, sem nunca chegar.

Todos os dias, como se bêbado acordasse numa fossa que nem mestre-sala faz em porta-estandarte, me livro de cada frase apostata de um livro que jamais escreverei. E leio e releio, como tesouro perdido no único veio, as misérias caóticas e cáusticas de um samba sem verso e sem terço, perplexo na brancura e agrura da tarde. Tenciono músculos e faces, máculas e crases, e vou me soltando, atando nós prolixos e senis. Mas, ainda como quem tem onde segurar e orar, me agarro à batuta do mestre maior, o poeta que respirou além-mar. Antevejo o tempo ao benfazejo desamor. E o sigo em frases e fases ao porto que deságua do lado de uma cama, detrás de um sofá, na emoção que ainda há de sangrar.
 
Ao som do Vida Noturna, do Aldir Blanc

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...