Por Ronaldo Faria
Todos os dias agora eu fico como se
estivesse numa ágora, a contar pedra sobre pedra das ruas paralelas, todas com
vista para ela: a mulher desnuda e embriagada de vida, com a voz embargada ao
insólito e o herege. Por isso, sento diante do espelho de letras que piscam em
luminosos caracteres e me jogo ao acaso do ocaso. De cúmplice, a planta me olha
do seu vaso. Desfaço-me de atos e travestidos fatos. Sou. E isso, por pouco que
seja, para quem não muito enseja, basta. As Tordesilhas me chegam como cafuzas
mulheres, confusas e tardias, tensas e tísicas, teatrais e místicas. Chegam
como se nada fossem. Um pouco de conhaque, um gole de pinga, uma ou outra dose na eterna tosse.
Todos os dias, tardios em trejeitos e
feitos onde um mínimo herói é mais que satisfeito, me jogo às esquinas que desabrocham
vertigens e curvas desconhecidas. Talvez um pouco de glicemia e outro tanto
acima, talvez apenas a névoa que encobre os poetas nas manhãs claras de um sol
descabido. Sol que queima os olhos de quem vive na penumbra, à busca da
inexistente tez. Coisa de pesadelo e desmazelo, ensimesmados, ambos, de
inebriantes desejos. Coisa de gestos parados no espaço, segurando copos às
cópulas que se vestem de coxas e pernas diante da mesa de um bar que caminham
para longe, sem nunca chegar.
Todos os dias, como se bêbado
acordasse numa fossa que nem mestre-sala faz em porta-estandarte, me livro de
cada frase apostata de um livro que jamais escreverei. E leio e releio, como
tesouro perdido no único veio, as misérias caóticas e cáusticas de um samba sem
verso e sem terço, perplexo na brancura e agrura da tarde. Tenciono músculos e
faces, máculas e crases, e vou me soltando, atando nós prolixos e senis. Mas,
ainda como quem tem onde segurar e orar, me agarro à batuta do mestre maior, o
poeta que respirou além-mar. Antevejo o tempo ao benfazejo desamor. E o sigo em
frases e fases ao porto que deságua do lado de uma cama, detrás de um sofá, na
emoção que ainda há de sangrar.
Ao som do Vida Noturna,
do Aldir Blanc