sexta-feira, 29 de março de 2024

Sob vários graus acima do normal

 Por Ronaldo Faria



Calor infernal, dramático, atávico, caudaloso, suarento, bastardo, deplorável, ignóbil, destruidor de vidas, maldito, real.
Para esquecê-lo (não aquecê-lo), Caetano em Jóia (no tempo que acento havia).
 
Na escuridão dos bares clareados pela lua e luzes de postes e faróis, o homem caminha em busca de ficar trôpego ou se reconhecer, quiçá. Na aquiescência que nem a loucura que logo chegará dá, ele segue no retumbante momento em que celular não havia. E as fichas de orelhão eram até motivo e roubo. A espera de uma carta (espera trágica e demorada) era o querer saber aquilo que a amada estaria a dizer e responder. Era um tempo em que as emoções não mudavam aos segundos. O querer como que se perpetuava na lambida do envelope, na lambida do selo, nas mãos do carteiro que, sabe-se lá como, num momento entregaria a emoção tardia.
Nos ruídos mil de um bar, entre olhares e desejos, afagos e tragos, sonhares e parecer poder, um ou dois se lançavam nos mares de revoltas tempestades e calmarias entre lençóis e blasfêmias. Revoadas de pássaros e toques nas coxas, seios e cabelos descabelados e loucos. Entre as pernas da mulher, mata de pelos num triângulo que se despenteava à língua ávida de prazer dar e ter. Um ou outro carro se bandeava nas ruas desertas e pérfidas. Um bêbado ou outro caía no asfalto e levantava para cair de novo. Na longitude entre o tempo e o vento, a esperança de acordar no dia seguinte sem ser pedinte de uma outra vez a tocar e olhar o rosto que desperta ao lado ínfimo.
No olhar do céu em seu negror involuntário de lua nova, a saudade déspota de emergir na espuma que vem do fundo do mar. Nos lábios molhados da virgem há muito desvirginada e aplacada em seu mundo, o efêmero porvir que só quem ama conhece. Como um universo onde o verso é apenas apêndice da leitura de jornal matinal, abstraído de rotativas, jornalistas sonhadores e boêmios, bravatas de quem acredita que ao outro possa informar. No mundo afora, que roda sem parar (e desde há milhões de anos é redondo), o ofegante e perdido amante pernoita em seus sonhos bisonhos e trôpegos. Ao fim do dia, diásporas serão o derrear de algo ou nada a ser...

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...