quinta-feira, 9 de junho de 2022

Gilberto Gil, uma ótima turma e o sol de Oslo

Por Edmilson Siqueira 

O Sol de Oslo é um dos discos menos conhecidos de Gilberto Gil. E, com certeza, um dos mais belos. Outra certeza: não é só de Gil. Ele próprio, quando viu o que foi feito com todo o material produzido pelo grupo reunido na Noruega, não gostou. Disse que ele era apenas mais um dos (ótimos) participantes do disco. Era um trabalho conjunto e Gil gostaria que ele tivesse sido apresentado assim. 


Mas, problemas à parte, o disco é ótimo.  


Idealizado, produzido e dirigido musicalmente por Rodolfo Stroeter e pelo próprio Gil, o CD foi gravado no Rainbow Studio em Oslo em novembro de 1994, com exceção de duas músicas que foram gravadas no Estúdio Mosh em janeiro de 1998. Pelo tempo existente entre as gravações (quatro anos), percebe-se que o trabalho ficou guardado esse tempo todo. Motivo: a gravadora de Gil à época, considerava que o disco não era comercial... 


O grupo que gravou junto com Gil, tocando e cantando, é dos mais respeitados: a cantora Marlui Miranda, o norueguês Bugge Wesseltoft nos teclados, o indiano Trilok Gurtu na percussão, os paulistas Rodolfo Stroeter no baixo e Toninho Ferragutti nas sanfonas. 


O antropólogo e pesquisador musical Hermano Vianna é o autor do texto do encarte, quase um minitratado sobre as origens sertanejas da nossa música. Escreve ele, logo nas primeiras linhas: "Houve um tempo, que durou até as primeiras décadas deste século [no caso, se trata do século 20], no qual a música popular brasileira, em seus vários gêneros (e não importa se produzidos na cidade ou no campo), podia ser chamada de música sertaneja. O pensamento da época identificava tudo o que era popular com aquilo que vinha do sertão."  


Em outro trecho, justificando sua teoria, Vianna acrescenta: "As Artes sertanejas atraíam a curiosidade do público, tanto que os Oito Batutas, grupo de Pixinguinha e Donga, apresentou - em 1921 e em São Paulo - o espetáculo Uma Noite no Sertão." 


Aí acontece a transposição para o que inspirou o disco: "O Sol de Oslo", diz ele, "chega em excelente hora. Esse disco é uma necessária injeção de "vastidão sertaneja" no panorama da música contemporânea do Brasil. Mais do que isso: O Sol de Oslo faz o sertão funcionar sob o novo regime da globalização, dando um novo sentido para as palavras e os desejos de Guimarães Rosa (para quem Goethe, Dostoievski e Balzac eram sertanejos)."

 


Teorias à parte, o trabalho do grupo começa realçando o folclore e dando a ele moderna interpretação instrumental com a música "Tatá Engenho Novo" (domínio público), uma embolada difícil de cantar e muito gostosa de se ouvir. Outro "domínio público" vem a seguir com a singela "Teus Cabelos", uma lenta canção de apenas oito versos que Marlui Miranda interpreta com grande emoção e sensibilidade, junto com Gil.  


"17 na Corrente", a terceira faixa, vai buscar no compositor pernambucano Edgard Ferreira e em Manoel Firmino, a síntese entre o som, digamos, moderno, com a tradição do "rojão", ritmo inventado por Ferreira nos anos 1940. Quem primeiro fez sucesso com essa música foi Jackson do Pandeiro. 


Rodolfo Stroeter se uniram para compor "Xote", que, apesar de atual, aborda tema do sertão nordestino, a lenda da fonte que só produz água se uma rezadeira da Bahia iniciar a oração para que o milagre se realize. Um xote delicioso, por sinal. 


Outra música de Gil, desta vez com a parceria de Marlui Miranda, vem a seguir. "Eu Te Dei Meu Ané", outro tema "sertanejo" apresentado com a vibração de instrumentos modernos, numa combinação perfeita. 


O disco prossegue com várias surpresas, muitas compostas por Gil com perceptíveis letras de seus parceiros, invadindo um universo que o baiano não costuma frequentar, mas tão rico quanto aqueles que ele nos presenteia com suas letras. "Kaô" e "Onde o Xaxado Está", com Rodolfo Stroeter; e "Ciranda", com Moacir Santos são exemplos dessas parcerias. O disco ainda tem "Rep", "Língua do Pê" e "Oslodum" só de Gil; "A Santinha Lá da Serra", de Moacir Santos e Vinícius de Moraes; "Bastiana" de Marlui Miranda e "Ai Baiano", de domínio público. 


Pra encerrar, recorro novamente ao antropólogo Hermano Vianna, do encarte: "A grande cidade não é inimiga do sertão. A civilização da grande cidade, global, também produz, em seus melhores momentos, um pensamento do infinito. Um infinito que nos proporciona, além do pop, além de estúdios como o de Oslo, 'os frutos da ciência, sabores sem os quais a vida é vã'. Sabores, acrescentaria Guimarães Rosa, tipicamente sertanejos." 


O disco está inteiro à disposição no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=qmrxBexw64A. E também pode ser comprado nos bons sites do ramo. 

Zé Geraldo

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